Atrevida




Elena era o que se pode chamar de "mulher fora do padrão". Ligeiramente gordinha, sardenta, com sua cabeleira ruiva em caracóis esvoaçantes, ria alto e de forma descompassada, além do que tinha um gosto bem duvidoso para se vestir. Estampa de oncinha e vermelho ponceau eram usualmente combinados na mesma produção.
Apesar de não ter namorado e sequer um pretendente em vista ela não se sentia sozinha. Passava horas a fio em sua casa vendo filmes, rindo muito com as “salas de bate-papo” e pedindo comida em casa, pois raramente tinha vontade de cozinhar. Quando a mãe aparecia, preparava comida pra uma semana e já aproveitava a deixa pra ralhar também
- Onde já se viu? Uma mulher feita que não cozinha...
Elena dava de ombros. Cozinhar pra que? A maravilha dos “disk refeição” estava a sua disposição...
E assim os dias ia passando, sem que houvesse necessidade de novidades. Ela havia se encontrado em sua solidão, sem dar satisfações a ninguém. Era bom não ser refém de nada e de ninguém. Talvez.
Um dia, foi atender ao telefone e descobriu que o mesmo havia pifado. Tinha que comprar outro.
- Mas logo agora, porra!
Ficar sem celular não dava. Foi na loja de departamento mais próxima e saiu com o modelo mais fodástico que podia pagar. Se fosse pra trocar, não sairia por baixo.
Voltou para a faculdade para o segundo tempo. Às vezes ficava se perguntando se deveria mesmo investir em Direito. Nem sempre gostava das aulas, mas tinha convicção que era uma boa área pra atual. Muitas possibilidades, pensava no pai falando.
Pra seu desespero a aula estava um horror. Não conseguia se concentrar e o tempo não passava. Olhava pro lado e via a garota ao lado com os olhos vidrados; ela mal conseguia dissimular o sono. Resolveu fazer a coisa mais antiética prevista: mexer no celular.
Ficou enrolando nas redes sociais, rindo baixinho das piadas que os amigos mandavam. Entre uma frase de auto-ajuda e uma denúncia sobre a corrupção algo lhe chamou a atenção. Murilo.
Murilo era o que ela chamava de “carinha interessante”. Havia o conhecido há muitos anos atrás, quando ainda eram garotos. Ele tinha uma covinha marota no cantinho do sorriso, o que lhe dava um ar esperto. Era muito simpático, do tipo que as mães gostam pra casar. Ele nunca tinha lhe dado mais que um “oi” na vida; tinha arrumado uma namorada magrela e já estavam noivos tinha um bom tempo. E como não existe nada ruim que não possa piorar, lembrou-se do réveillon na casa da tia em que derramou refrigerante na calça branca dele sem querer; ficou uma baita mancha marrom bem no pinto dele. Ela tinha vergonha disso até hoje.
Murilo estava disponível para conversar e tinha mania de publicar piadas malucas na rede social. Ela, pra fazer graça, resolveu comentar na piada com uma caretinha rindo. Não era uma piada das melhores, mas quis ser simpática. A imagem da calça manchada no pinto voltou-lhe à cabeça.
De repente viu o “balãozinho da conversa” piscando. Ela até assustou, porque da última vez um cara chamou-a pra conversar era um terrorista. Putamerda. Não falta maluco na Internet.
Ela abriu. Era Murilo. Será que era por causa da carinha?
- Oie...
Ela pensou antes de responder. Era ótima em falar besteira, principalmente com os homens.
- Hello...
- Tudo bem?
- Sim...
A conversa estava de enrosco. Ela resolveu arriscar.
- Tá de bobeira aí?
- To. E você?
- Aula de Direito Penal. Um saco.
- Não terminou a faculdade?
- Não. Tem mais um ano.
- Ah, tá.
Ele não tinha feito faculdade. Trabalhava com o pai na loja de produtos de limpeza. Tinha um carro e uma namorada magrela. Tava bom.
E a conversa empacou de novo. Ele começou a perguntar outras coisas.
- Você gosta de que tipo de música? Eu lembro que você fazia ballet.
- Gosto de rock. Não faço mais ballet. Bailarina gorda é estranho.
Ele riu. Era preciso reconhecer que era espirituosa.
- E de que filmes gosta?
- Pornô!
A resposta saiu como um tiro. Elena ficou lívida, pois mais uma vez falou besteira. Não que fosse mentira, ela gostava mesmo de filmes pornô, mas ninguém precisava ficar sabendo. Ainda mais ele.
- Sério???
Elena não sabia o que responder. Ficou pensando. Resolveu encarar.
- Sério.
- Olha...eu também, viu?
Novo silêncio. Dava pra cortar o ar com uma faca.
- Sexo é bom demais... não é?
Agora ferrou. Ela ia responder isso? Adorava pornô, adorava ficar rindo dos gemidinhos das atrizes fazendo sexo e era a mais virgem das alunas do campus inteiro.
- Sim...
Ela ia inventar. E que se dane. E que se foda mesmo. Ia se divertir com o sujeito das covinhas que tinha uma namorada magrela.
E começou uma conversa super quente. E o rapaz se empolgando, ela se empolgando também. Foi necessário ir ao banheiro jogar água no rosto. Aquilo era bom demais! Elena estava experimentando as delícias que sempre tinha sonhado pra si.
E este estranho jogo foi se arrastando por semanas, meses. O rapaz estava visivelmente encantado com a habilidade com que Elena falava de sexo. Ela criava cenários, atiçava a imaginação de Murilo como uma Sherazade nas Mil e Uma Noites. Ela também gostava; ficava se imaginando naquelas loucuras, mas algo era peculiar: nunca era Murilo o protagonista. Enquanto falava com ele pensava em qualquer outro homem. No porteiro do prédio, no ator do filme, mas nunca nele.
Murilo sempre reiterava que ninguém podia saber daquilo, que ele tinha namorada e tal. Elena não dava a mínima pra aquele papo: dane-se o resto.
Já havia algum tempo que eles estavam “jogando” quando Elena conheceu Roberta. Ela era linda e muito descolada. Adorava seu timbre de voz, quando falava na rodinha de conversas. Era bem feita de corpo e era bissexual, pois já tinha ficado com amigos e amigas em comum.
Elena estava numa festinha, conversando com Murilo no celular quando Roberta apareceu. Dançava de maneira muito sensual um blues que tocava. Elena acompanhava seus movimentos. Roberta se descobriu observada e fez sinal para que Elena a acompanhasse.
No primeiro momento, Elena até achou que fosse com outra pessoa. Mas Roberta insistiu. Então, sem pensar muito, ela seguiu os passos rápidos da outras, que se juntava a mais duas meninas.
- Quer descobrir algo novo?
Elena não conseguiu responder. Roberta a pegou pelas mãos e as outras duas moças foram atrás. Entraram no quarto.
Com exceção de Elena, que não sabia exatamente o que fazer, as outras moças começaram a se acariciar e a tirar a roupa. Roberta foi ao encontro dela, tocando de leve seu rosto com um beijo.
- Vem...
Ao ver aquele aglomerado de pernas, braços e cabelos se acariciando e se entrelaçando, Elena teve um ataque de riso. Só tinha visto aquilo em filme e reconhecia que era mais engraçado pessoalmente do que numa tela. Ria a ponto de perder o fôlego. Roberta não conseguia entender.
- Você está brincando comigo, Ele? Qual é a sua?
Elena teve que sair do quarto para tomar um copo d'água. Seu rosto estava corado e saíam lágrimas de seus olhos, de tanto rir. Sem dizer nada, foi embora. Ouviu o sinal do celular chamando. Era Murilo. Ela começou a contar o que tinha acontecido, nos mínimos detalhes. Murilo ficou muitíssimo interessado.
- Hum...podíamos combinar algo assim, hein? Que você acha? Só não posso deixar minha namorada ficar saben...
Murilo nem teve tempo de concluir a frase. Elena explodiu numa grande rajada de satisfação.
- Vá tomar no cu, seu babaca covarde! Quem disse que eu quero alguma coisa com você? Sai fora...
Não deu sequer chance de ele responder, bloqueando seu acesso na rede social. Desligou o celular, foi caminhando até em casa e, ao sentar-se no sofá, riu até ficar sem fôlego. Sexo era só piada pra ela. Não via graça nenhuma que não fosse pra dar risada. Descobriu que não gostava nem de homens nem de mulheres. Gostava de divertir-se com tudo.
Elena terminou o curso de Direito e nunca exerceu nada na área. Fez um curso de cinema e hoje dirige filmes pornôs de “alto padrão” (ela sempre achou o povo dos filmes muito feio e sem charme). Tem um sex shop e nos finais de semana compra um balde de sorvete e assiste filmes de suspense policial. Pornô já encheu o saco.

Comentários

  1. Personagem fascinante essa Elena. Se ria dos pornôs, as comédias devem deixá-la excitada.

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  2. amei e vou ler a todos, tambem escrevo contos e poesias... Posso te enviar via messenger qlq hora? Dai poderia me dar uns toques... Elena tem uma tirania arrebatadora: nao precisa de ninguem pra estar bem. Ao menos dos padroes... Isso faz dos demais pobres fracos. Nao e sadica, nem cruel apenas genuinamente independente.

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  3. Totalmente louca Elena....rsrsrs. Atiça e depois some....Muito louca.

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