A outra

Renata chegou em casa com os sapatos nas mãos, depois de mais uma noite em pé, no barzinho mais badalado da cidade. Que dor horrível! Os dedos pareciam moídos com o aperto do escarpim.
Mais uma noite sozinha. Seu pensamento estava naquela noite em que conheceu Humberto. O tempo havia parado naquela noite... mas ele não ligou!
Humberto e Renata se conheceram nessas circunstancias em que o que tem que dar certo ou errado dá. Ela estava carente, ele sem saber o que fazer e eles se olharam, conversaram; tinham muitas coisas em comum, ela adorou o jeito dele sorrir e ele tinha reparado na cor dos olhos dela. Beijaram, abraçaram e um tempinho depois ela estava na cama dele, na casa dele, onde a mãe dele também estava, no quarto ao lado. Depois, ele a levou no carro dele para a casa dela e deixou que ela ficasse com as expectativas dela.
Ela bem que tentou. Ligou par ele, e nada. Tentou adicionar o cara na rede social e nada. E nunca mais viu Humberto. A tristeza de saber que o que foi bom pra ela não tinha sido nada pra ele só era menor que a vontade de vê-lo de novo. Mas não iria se humilhar. Quem sabe, por acaso? Ta certo que eu dei pra ele no primeiro dia, mas isso acontece. Ou não?
Alguns meses se passaram sem que Renata tivesse notícias do tal. E a pobre Renata saía com as amigas, olhava para todos os lados e nada de ver Humberto. Poxa! Será que ele era real?
Um dia, ela pegou a lista telefônica e teve uma idéia. Lembrou do telefone dele e resolveu ligar. Que mal tinha querer ouvir a voz dele?
Ele atendeu.
-Alo?
-Oi... -Não vinha nada na cabeça dela.
-Quem é?
-Letícia. Tudo bem?
-Letícia?
Era o nome que tinha vindo na cabeça dela. E assim ficou.
-Sim...pequei seu telefone com um amigo seu... e
-Que amigo?
-Um amigo seu que sempre vai ao Biliscu´s? Conhece?
-E o nome?
Estava cada vez mais complicado. Mas ela resolveu levar isso até o fim.
-Tiago.
-Não me lembro.
-Hum...
E os dois conversaram como se nunca tivessem se visto. Falaram sobre assuntos diversos e ele pareceu gostar.
-Se quiser liga no meu celular...
-Ok...
-Beijos!
Renata estava com palpitação. Meu Deus! Que máximo! Tinha sido tão bom falar com ele. Mas ela caiu em si. Ele não havia falado com ela. Falou com a Letícia e gostou da Letícia e Letícia era outra. E agora? Dane-se. Levaria isso assim mesmo.
E Renata, ou melhor, “Letícia” , ligava para Humberto pelo menos uma vez por semana. Ele ficava cismado com o fato de não saber nada sobre a tal Letícia, mas não se opunha a conversa. Fazia elogios a sua dicção, aos seus assuntos. E Renata, do outro lado, vibrava com tudo isso. E por um bom tempo eles conversaram.
Toda vez que desligava o telefone, Renata se imaginava na seguinte situação: Como vou falar pra ele quem sou eu de verdade? Mas aí a euforia vinha e ela se esquecia de tudo.
Ela fazia planos, imaginava roupas para o encontro, pensava em mandar presentes. Sonhava como uma noiva em véspera de casamento. Noiva virgem, é claro, pois os casamentos de hoje em dia não guardam nenhuma surpresa.
Alguns dias depois ela pegou o telefone e ligou.
-Humberto?
-Não está.
Mas a voz era dele! Renata tremeu e isso ficou nítido na voz.
-Quem fala?
-O irmão dele.
A voz parecia dissimulada para parecer de outra pessoa. Renata parecia não acreditar no que estava acontecendo.
-Ok...Desculpe.
-Quer deixar recado?
Renata não conseguia acreditar na cara de pau do sujeito.
-Não, obrigada.
Renata desligou o telefone, sentou-se e chorou. Não sabia direito o motivo do choro, mas chorou. Percebeu que às vezes as coisas não têm que acontecer e pronto. Nunca teria certeza se aquela voz era ou não de Humberto. Nunca saberia o que ele pensou, se é que pensou, dela. Mas era isso e pronto.
O celular tocou e a amiga convida:
-Vamos no Biliscu’s hoje. Ta afim?
Renata pensou um pouco. E finalmente decidiu.
-A que horas a gente se encontra?


Comentários