Demônio



A frieza de Tércia era algo que nos fazia pensar sobre a ideia de docilidade inerente das mulheres, quiçá da própria condição humana. Glacial, meticulosa em seus gestos, dificilmente seria modelo de candice, amor e maternidade. Tinha o olhar gélido e inclemente, talvez até assustador. Mas é preciso entender algumas coisas.
Aos seis anos, viu sua mãe pela última vez. Ela carregava malas de um lado para o outro; Tércia viu que um homem dentro de um carro guardava tudo no porta malas. O pai, sentado na cama do quarto, chorava em silêncio.
-Um dia talvez você me perdoe, filha. Mas você vai me entender, eu sei.
E sem olhar para trás partiu.
Tércia não sentiu raiva, não sentiu tristeza, não sentiu nada. Detestava a comida da mãe, sem tempero e sem graça. O pai por sua vez parecia ter recebido uma punhalada. Ficou dias chorando: ora no quarto, ora no sófa da sala, ora na garagem.
A fraqueza, os hábitos comedidos, a falta de energia, o ar deprimido do pai lhe davam repulsa. Homem de índole passiva, sempre lamuriando e lamentando as perdas da vida; era apenas um títere do acaso que ela tinha que suportar. Olhá-lo sempre fazendo as mesmas coisas lhe dava repulsa e vergonha. Suportava sua abnegação em criá-la com “dignidade” com vergonha. Nem mesmo os mimos, a atenção redobrada, o afeto genuíno do pai a comoviam. Tinha aversão àquilo tudo.
A cabecinha da menina ia trabalhando incessantemente sobre o que iria fazer de sua vida. Estava confinada a um corpo de criança já que sua mente era bem adulta; esperaria com paciência o momento certo de agir. E pra sua sorte o tempo passou rápido. O pai, cada vez mais decrépito, alimentando-se das reminiscências da vida de casado e da esperança de que um dia a mulher reconsiderasse sua decisão, nada percebia. Mas Teŕcia já tinha um plano. Já tinha um roteiro, para ela e para ele.
Naquela manhã, quando acordou cedo, viu sua cama manchada de sangue. Era o sinal de que as coisas começavam a andar. Pela leis da natureza, pelo ciclo biológico, pela regra ôrganica da vida ela já era uma mulher. Um passo dado, pensou. Olhou-se no espenho e percebeu que, com treze anos, já tinha curvas sinuosas e seios salientes. Não teve tempo de esconder seu segredo; o pai entrou no quarto para acordá-la e deu de cara com a surpresa.
- Filha...
Ele estava visivelmente desconcertado e sem saber o que fazer. Tércia foi mais rápida.
-Não se preocupe, pai. A professora me contou como fazer as coisas.
O pai consentiu com a cabeça, aliviado por não ter que se preocupar com isso. Lembrou-se do quanto a ausência da mãe tinha sido negativa para ambos ali. E mergulhou de novo naquele sentimento de tristeza.
Sem que ninguém soubesse, Teŕcia ia todas as tardes na biblioteca da cidade e lia livros de Biologia, estava muito interessada no assunto. Pouco tempo depois, trocou as informações biológicas por literatura erótica. Conseguia comprar os catecismos de Carlos Zéfiro subornando um garoto de sua sala com doces e guloseimas. Homens são muito idiotas – era seu pesamento toda vez que trocava pornografia por manjar ou pirulitos.
O rosto de Tércia não tinha mais aquela expressão pueril que as meninas dessa idade tem. Tinha um olhar lascivo e quente, como se fosse Pandora abrindo a arca de segredos do universo. Era praticamente isolada das demais meninas de sua sala pelo humor ácido e perverso. Mas isso não a demovia: ela já sabia que seria assim por toda a vida.
O pai recebia vez ou outra um amigo de muitos anos chamado Augusto. Desde criança o olhava com fascínio. Era bonito, tinha dois filhos e era casado. E rico, bem rico. Uma vez, em seu aniversário, deu a ela uma boneca de porcelana da China, graciosamente pintada a mão. Foi a única coisa que Tércia guardou dentre as muitas que tinha recebido de presente. Não era velho nem novo; perto da figura desgastada de seu pai conservava muita juventude.
Havia um tempo que Tércia estava observando os movimentos de Augusto. Seus gestos, a forma de falar. Ficou muito atenta a cada detalhe. Tércia estrava prestes a completar 15 anos. Era uma data simbólica para as meninas: era o ingresso na sociedade. Com muito jeito, Tércia foi convencendo o pai de que era necessário fazer uma festa em grande estilo para ela. A princípio, o pai relutou devido a sua situação financeira, mas acabou aceitando, pois Augusto já havia oferecido ajuda como presente.
Vestido, salão de festas, doces, salgadinhos, banda. Tudo que Tércia pediu o pai e Augusto botaram em ação pra pra acontecer. Mas havia algo que precisava acontecer para que casa, tudo desse certo.
Augusto tinha recebido uma ligação em seu trabalho de que precisava ver Tércia com urgência em sua casa, pois o pai não estava presente e não tinha como ir até lá. Sem pensar duas vezes, o homem pegou o carro e saiu. Chegando lá, a porta estava aberta. Augusto estranhou o silêncio. No sofá, estava Teŕcia, completamente nua.
-Que bom que você veio.
Augusto estava dividido entre dois sentimentos: a visão do corpo de Tércia inteirinho a sua disposição ou o princípio moral de respeitar a filha de seu grande amigo.
-Tércia! Deixa disso! O que que você quer, menina?
- Quero você.
E sem deixar o homem responder, beijou-o com fúria. Augusto ficou tonto e inerte; mas isso não fazia diferença, pois as mãos de Tércia já exploravam bem a vontade o seu corpo.
Como a carne dos homens não foi feita para a força e o pecado é questão de interpretação, Augusto e Tércia transaram ali mesmo, na sala. O homem de bem, o pai de família exemplar acabava de deflorar uma menina que tinha idade para ser sua filha. Tércia, em nenhum momento demostrando inexperiência ou recato, fez o que quis com o homem que estava ali, deitado no tapete de sua sala.
Tomando para si uma sensatez completamente desnecessária, Augusto levantou-se. Havia feito algo terrível.
-Eu juro que não queria, eu juro que...
-Tudo bem.
-Olhe...eu não vou contar nada pro seu pai e espero que você também não.
O rosto de Tércia tomou uma expressão diabólica.
-Não? Por que?
Augusto olhou Tércia sem entender.
-O que fizemos aqui foi errado. Você sabe que...
-Eu sei?
Augusto começou a temer o tom que a menina usava a cada frase que usava para respondê-lo.
-Tércia...eu
-Você acabou de tirar a minha virgindade. Se eu falar pro meu pai ele vai te matar. Se eu for na polícia vocẽ vai preso. Se eu contar pra sua mulher ela vai te deixar.
Agora estava claro que Tércia sabia exatamente o que estava fazendo.
-Quero que você saiba de uma coisa: eu quero sair daqui. E vocẽ vai me ajudar.
Augusto estava horrorizado com o que estava acontecendo.
-Por que? Por que você fez isso?
-Eu quero que você me dê dinheiro pra quando eu fizer 18 anos eu possa ir embora. Só isso.
O chão havia se aberto sob os pés de Augusto, que com muito custo conseguiu vestir a roupa.
- Desculpe...mas eu não posso fazer nada por você!
Tércia olhou o com os olhos de criança que havia deixado de ser há muito tempo.
-Não?
-Não...eu não posso.
A voz de Augusto morrera. Estava perdido. Estava nas mãos de uma menina que vira crescer e que soubera usar de sua fraqueza e canalhice com maestria.
-Tudo bem... Eu entendo.
-Eu vou ficar quieto e você também. Ninguém precisa saber disso. Me perdoa.
Tércia fez beicinho. Olhou Augusto com tristeza.
- Me abraça?
Augusto sentiu-se em dívida com ela. Havia tirado sua pureza, sua virgindade. Aquilo era sério. Dava em sérios problemas. Sentiu ternura por aquela mocinha tão frágil que se apresentava agora.
-Sim...abraço.
Os dois ficaram abraçados, por um tempo longo. Dava pra ouvir o coração de Tércia batendo, levinho.
O relógio da sala estava marcando 18:20. Do lado de fora, os poucos raios de sol, fraquinhos, iluminvam os galhos das árvores. Tércia olhou para Augusto. E gritou.
-Socorro! Socorro!!!
Augusto não teve tempo de entender nada. O vizinho já tinha aberto a porta que havia ficado aberta o tempo todo. Viu Tércia gritando e chorando agarrada ao homem e sua conclusão foi rápida. Masi gente foi chegando devido aos gritos da menina e do vizinho, que já estava esbofeteando Augusto no chão.
O pai de Tércia acabava de estacionar o carro na calçada. Viu a aglomeração na porta da sua casa e saiu correndo para saber o que tinha ocorrido.





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