Embalo de sábado

Carla não conseguia imaginar nada melhor no final de semana que ficar em casa. Estava dura e sem imaginação. Estava cada vez mais chato ser conquistada pela Internet. Poxa! Homem na vida real existe?
Tinha vontade de sair, para viver um pouco de emoção, mas não parecia disposta a ligar para ninguém. Estava calejada de desculpas dos amigos ou dos pretensos paqueras a ponto de nem ter posto créditos em seu celular. Já que não usaria, não tinha porque gastar dinheiro com isso.
Já era quase dez horas da noite e Carla desistiu de tudo. A casa estava em ordem, sua roupa bem arrumada nas gavetas e tinha comida na geladeira. Tudo estava na mais perfeita harmonia caseira. Um tédio.
Já que não restava muito a fazer, resolveu tomar um banho demorado e cuidar um pouco de si mesma. Faria uma esfoliação na pele, passaria um bom creme hidratante e relaxaria na cama até dormir. Faria um spa doméstico, que pensando bem era até mais divertido do que ir para um desses lugares batidos da noite.
A água do chuveiro estava formidável; quente e na pressão certa, o que fazia uma leve massagem em seu corpo. Estava tão bom que o calor e o efeito de massagem em seu corpo começaram a provocar umas sensações eróticas bem fora de hora. Hum...Sexo solitário? Não, definitivamente não. Pelo menos hoje, não.
Esfoliou a pele com sabonete de semente de abricó e saiu do banho para passar o creme. Parecia até mais conformada por não ter o que fazer em pleno sábado à noite. Deitou na cama e começou a deslizar a mãos pelas pernas cheias de creme, a fim de espalhar o produto.
Seu celular tocou. O que? Àquela hora? Devia ser a Soninha, enchendo o saco, sempre querendo dicas de como fazer com seu namorado idiota. Larga essa mala logo! –pensou em dizer isso com todas as letras. Mas não tinha esse direito. Ela que se virasse.
Olhou o identificador de chamadas e viu o nome de João, seu ex- tudo. Tinham namorado, ficado, namorado de novo e atualmente ele era um joão-ninguém, literalmente, para ela. Não atenderia. Mas a curiosidade foi maior. O que ele poderia querer, justo naquele dia esquisito?
-Alo?
-Oi!
A voz dele era pacifica.
-João?
-Oi...Tudo bem?
-Sim...
Carla não queria parecer desesperada para sair.
-Ta em casa?
-Sim...vou descansar um pouco.
-Hum...To na rua...posso passar ai?
Carla quase não acreditou. Que cara de pau! No mínimo não encontrou ninguém na rua pra fazer companhia e resolveu procurar a válvula de escape aqui!
-Hum...
-Posso ou não posso?
Carla pensou um pouco.
-Sim... Talvez.
-To aí em dez minutos.
Carla estava com parte do corpo com creme e a outra não. Passou aonde faltava com a maior pressa possível e se vestiu, com roupa de ficar em casa mesmo. E então? Um ex liga em pleno sábado à noite, depois de ter sumido um tempão... Chovia fraco neste momento. Carla ouviu a buzina da moto, avisando que João estava na porta de sua casa, esperando.
Ela foi abrir a porta, enquanto pensava no que ia fazer e falar. João não era o mesmo de antes. Estava bem feio, pra falar a verdade. Mas tinha o mesmo ar meigo de sempre.
-Oi...
-Entre...
A chuva agora caía forte. Carla não sabia como receber João ao certo. Mas ele parecia bem à vontade.
-Sábado chato hein?
-É...
Carla achou melhor não tocar em nenhum assunto polêmico. Poderia ser bem desagradável e como a noite já não estava colaborando, preferiu ficar na postura de fazer sala. Queria dormir tranqüila desta vez.
João observou pela porta aberta o quarto de Carla e sua cama já arrumada. Olhou para ela e fez a pergunta em tom de mistério.
- Ia dormir... Tão cedo?
Carla ficou sem jeito. Poxa! Estava passando atestado de encalhada para seu ex-namorado!
-Ia.
Um trovão estourou forte lá fora. Carla deu um gritinho, o que fez João rir.
-Assustada, como sempre.
Carla olhou para seu ex com desdém. Como sempre... Ora essa! Ele estava se achando um perito em Carla Junqueira?
Os dois conversaram sobre assuntos suspensos no ar um bom tempo. Carla tratava o ex-namorado com um estranho e assim estava muito bem.
João começou a espirrar. Sua renite alérgica reagiu ao incenso que queimava.
-Droga! Esse nariz não dá um tempo!
-Quer um copo d’água?
-Não, obrigada...
-melhor você se deitar...
João olhou para Carla como se não acreditasse. Ela o pegou pela mão e levou para seu quarto, fazendo-o se deitar. A luz do lustre incomodava os olhos de João, que pôs a mão no rosto.
-Tenho uma idéia – disse Carla indo pegar algo.
Ela voltou com duas luminárias chinesas na mão, onde acendeu velas. A cor viva das peças com o brilho das chamas deu um ar sensual ao quarto. João olhava para tudo com curiosidade e encanto.
-Adorei.
Carla continuou a falar com ele da mesma maneira que antes. Mas depois de um tempo deitou-se ao seu lado e ficou conversando mais. Depois ele tocou em seu ombro, ela se virou de lado e ele a enlaçou, ficando os dois em posição de “conchinha”. Eles conversavam, se tocavam de leve; um beijo na nuca, um carinho nas mãos. Os pés roçavam devagar uns nos outros. E eles se falavam.
João quis ousar nos carinhos, mas Carla foi incisiva.
-Não. Assim está muito bom.
E ficaram assim por horas a fio. Até que João achou que era tarde e foi para casa, depois de dar um “selinho” demorado em Carla. Ela ficou olhando para ele, enquanto saía, com a moto.
Entrou em casa e pensou sorrindo em tudo que tinha vivido. As luminárias chinesas brilhavam forte ainda. A cama, agora com um lado vazio, ainda estava quente do calor dos corpos dela e de João. Ela tirou sua roupa, pos o pijama e ainda sentiu a sensação do creme hidratante em sua pele.
Foi a noite sem sexo mais deliciosa de sua vida.


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