Mudança de Paladar

Mudança de Paladar


Rosamaria tomava seu café da manhã olhando o telejornal. A previsão do tempo era generosa: sol o dia todo. Muito bem; iria aproveitar seu primeiro dia de férias do trabalho com muito sol na cabeça.
Avisou a tia que iria dar umas voltas no centro, depois do almoço.
-Mas você não vai comer a brachola que eu fiz?
-Claro... mas vou sair depois, oras!
-Hum...
Tia Tereza estava eufórica com o preparo da brachola. Cebola picada, carne e temperos; tomate e muita cantoria.
-Comida italiana é assim... Feita com muita alegria!
Chegada a hora do almoço, as duas comeram, sem esperar Tio Jerônimo.
-Ele que esquente no microondas depois! –Tia Tereza adorava aporrinhar o marido.
Rosamaria tomou banho, passou colônia com cheirinho de bebê, se arrumou e foi para a estação de trem metropolitano. Ficaria mais barato do que pegar ônibus, e com o dinheiro que sobraria dava até pra comer uma torta de limão. Era uma baita economia, pensou consigo mesma.
O trem não demorou a chegar. Estava praticamente vazio àquela hora do dia. Pensou que naquela mesma hora estaria trabalhando como telefonista agüentando a amolação das pessoas. “Pode me dizer o telefone de Delfino Salgado?” ou então: “Sua voz é bonita, hein? Tem namorado?” Estaria livre disso pelo menos por uns dias.
Já dentro do trem, ela começou a pensar no que compraria. Um vestido, talvez, para encarar o calor daqueles dias. Enquanto pensava, percebeu que era observada discretamente. Era um rapaz, de no máximo uns trinta e cinco anos. Não era exatamente bonito, mas tinha charme. Notou-se descoberto e corou de vergonha.
Rosamaria gostou daquilo. Começou a olhar de leve. O trem parou na primeira estação. Ele também olhava, mas com maior determinação. Pessoas entravam no trem e iam ocupando os lugares vazios. O trem voltou a andar.
Os olhos de Rosamaria agora não desgrudavam dele e os olhos dele também não desgrudavam dela. O trem parava, entrava gente e saía gente, e eles continuavam a se olhar. Às vezes ela sorria, ele retribuía. O encanto é uma coisa estranha; precisa de tão pouco pra nascer!
A viagem ia chegando ao fim. Rosamaria desceria na Estação da Luz. Viu com deslumbramento aquela arquitetura secular, seus detalhes magníficos e o mundo de gente que esperava pra entrar nos trens que serpenteavam lá o dia todo.
-Que coisa mais linda! – pensou ela.
O rapaz a olhava fixamente agora. Ela sorriu com aquele jeitinho que junta inocência e malícia no mesmo sorriso. Seu coração de trinta e um anos era esperto que só vendo. Talvez não entendesse os homens, mas conhecia muito o tipo. E sabia que ele sabia o que ela estava querendo.
Os dois desceram juntos na Estação da Luz. Ela o olhava para ver pra onde ele iria. De repente, naquele mundão de gente, Rosamaria perdeu seu alvo de vista. Que nhaca! Logo agora que a coisa estava boa!
Ia andando em direção a uma das escadas de acesso à rua quando foi surpreendida por um chamado e um toque em seu braço.
-Oi...
Era ele. Que danado! Estava esperando por ela o tempo todo! Rosamaria quase não acreditou quando o viu.
-Oi..
-Posso falar com você?
-Claro.
-Qual é seu nome?
-Rosamaria.
-Rosamaria?
-É. Escrito tudo junto mesmo... Foi minha avó que me deu esse nome...
-Bonito. Meu nome é Leandro. O que você faz?
-Sou telefonista... E você?
-Trabalho com um veterinário...
E depois de cada um saber um pouco sobre tudo um do outro, ele falou:
-Posso pegar seu telefone? Quem sabe a gente pode se ver e...
Rosamaria olhou mais uma vez para o rapaz, que agora sabia se chamar Leandro. Lembrou-se das vezes em que tinha ouvido aquela mesma frase. Sair, curtir, se entregar, se magoar. Lembrou-se das feridas que ainda estavam abertas dentro dela. O encanto precisava de pouco para começar, mas de muito menos para deixar de existir e virar desencanto. E o que ela sabia sobre Leandro? Quem era Leandro? O que era Leandro?
-Preciso ir agora... Desculpe.
-Mas... E o seu telefone? Me passa...
-Tenho que ir.
Rosamaria subiu as escadas com pressa, para a surpresa de Leandro. Ele estava atônito no final da escada, lá embaixo.
-Eu, hein?
Rosamaria passeou o dia todo; comprou um vestido, um livro de crônicas e ainda comeu sua tão almejada torta de limão. Eram cinco horas quando retornou para a Estação da Luz para pegar o trem e voltar para casa. Tinha um sorriso aliviado quando entrou no trem e sentou. Não estava pronta para desilusões. Queria paz para seu coração. E viver as surpresas da vida neste momento daria muito trabalho. Afinal, quem podia querer sabores a mais depois de provar uma deliciosa torta de limão, com “suspiro” e tudo? E ainda tinha a brachola da tia, quando chegasse em casa.


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