Por que não?

Quando o relógio despertou às sete horas, Laila quase teve um treco. Porcaria! Hoje eu quero dormir até as dez! Pôs a mascara de camomila que comprou da revendedora da Avon e embalou no soninho.
Cinco minutos depois o telefone toca de novo. Que merda! Não se pode nem ter um momento extra de preguiça?
-Alô!?
-Sim?
-Laila?
Que coisa! As pessoas ligam no celular pra você e ainda perguntam quem é!
-Sim...é ela.
-Olá...Você deixou um currículo com a gente aqui...
-Quem fala?
-Clovis, da agencia Pavão.
Nossa! Mas isso tinha sido há tanto tempo!
-Olá...
-Queria fazer uma entrevista com você, pode ser?
-Claro, claro...
-A que horas te espero?
Laila pensou um pouco. Demoraria pelo menos uma hora no banho e mais um pouco disso para tomar o café.
-Pode ser pela manhã?
-Claro. Estarei aqui até as duas da tarde. Te aguardo.
-Obrigada!
Laila mal podia crer. Uma entrevista! Na situação em que estava isso soava como ganhar na megasena. Levantou ligeira da cama e começou a pensar positivo, como tinha sido sugerido no DVD “O Segredo”. Lei da atração, lei da atração... Era o que mais pensava neste momento.
Pos uma roupa bem careta para dar um ar de seriedade. Não que ela fosse excêntrica, mas não queria dar nenhuma impressão estranha logo de cara.
Olhou-se minuciosa no espelho e saiu fagueira, para a entrevista.
Chegando lá havia uma moça muito mal humorada na recepção.
-Posso ajudar?
Laila não foi muito com a cara da moça. Isso era um mal pressagio. Se fosse trabalhar ali teria que ver a fulana todo dia.
-Por favor, o Clovis?
-Aguarde um momento.
Laila fechou o cenho de leve enquanto a moça pegava uma ficha de três folhas para ela preencher. Laila deu uma torcidinha de nariz.
-Preencha, por favor.
Laila sentiu que estava sendo testada. saco! Estava Tudo tão bom até agora! Mas não desistiu: passaria pelos “Ordálios” e por aquela “Rainha da Noite” feia e mal humorada. Sentou-se e começou a ler as perguntas do questionário.
As perguntas eram as mais absurdas possíveis.
-Só falta me perguntarem que cor que calcinha eu uso, pensou Laila baixinho.
Mas estava decidida. Começou a responder e a pensar positivo. Não custava, não é?
Foi quando o tal Clovis apareceu na porta de uma das salas.
-Oi!
Laila olhou para o rapaz de cara rechonchuda que a chamava com ares de decepção. Poxa! Ele tinha uma voz tão quente no telefone!
-Olá.
-Pode entrar...
Laila foi entrando na sala meio sem vontade. Primeiro aquela chata na recepção; agora um gorducho com cara de pateta. Mas Laila precisava do emprego.
-E então senhorita Laila Rezende?
Laila tinha que reconhecer que o rapaz era simpático e muito espirituoso.
-Bom...estou bem surpresa.
-Está trabalhando?
-Não exatamente...
-Sei
-Quer fazer parte na nossa equipe?
Laila achou ótimo.
-Sim...Claro!
-Ok! Pode começar amanhã?
-Claro!
Seja bem vinda!
Laila fez algumas formalidades e depois saiu de lá bem satisfeita. Chegou em casa, contou para a mãe a novidade.
-Poxa filha! Que bacana!
-É...
Laila começou a pensar no que poderia fazer de bom com esse emprego. Teria a chance de poder criar tanta coisa. Que legal!
No outro dia ela apareceu impecável em seu novo lugar. Clovis lhe mostrou a salinha em que ficaria e alguns contatos de clientes.
-Vai ser moleza...
E assim foi. Laila começou a conhecer o ritmo do lugar e logo o que era pra ser um trunfo virou um carma. Laila não suportava a cara da secretária da recepção, todos os dias com ares de tensão pré-menstrual e Clovis sempre com cara de Pollyanna feliz. Era irritante. Ia todos os dias para o trabalho e antes do expediente dava uma olhada nos classificados na esperança de alguma notícia redentora.
Os dias passavam e a paciência de Laila se esvaía junto. A secretária, Clovis, aqueles clientes cafonas. Tudo estava tirando seu tino para a publicidade.
Uma tarde, voltando do almoço, Laila viu que a agencia estava fechada. Céus! Será que aquela mocréia tinha faltado? Logo hoje que o dia prometia ser daquele jeito...
Abriu e foi entrando. Sem que ela esperasse, várias pessoas apareceram cantando um animado “parabéns pra você”, incluindo a secretária chata. Havia um pequeno bolo sobre a mesa, com o seu nome em chocolate. Vários balões brancos e prateados pendurados na parede e teto davam a sala a cara de festa de criança.
-Viva a nossa publicitária número um!
Todos aplaudiram. Laila não conseguia pensar em nada naquele momento. A menos de um minuto estava tentando bolar algo para se livrar de todos eles e agora eles a felicitavam...
Clovis se aproximou, todo sorridente, entregando um presente.
-Parabéns! Um mês aqui e já conseguiu alavancar sua carreira! Só tenho elogios dos clientes.
-Obrigada.
Laila viu a secretária cortar uma fatia de bolo e se aproximar dela.
-O primeiro pedaço é pra você!
Laila pegou a fatia de bolo, sem jeito, pois se lembrou que havia se referido a tal moça ainda a pouco como mocréia. Desta vez ela tinha uma expressão feliz, até simpática. Foi por conta própria cortando o restante do bolo e servindo aos demais convidados.
As pessoas a olhavam com admiração e grande simpatia. Laila estava completamente arrasada por dentro. Droga! Aquilo havia quebrado toda a sua resistência! Como poderia dizer a Clovis que deixaria a agencia agora?Ela colocou um pedaço de bolo na boca mas ele não descia. Ficou engasgado na garganta e Laila foi até o banheiro para se desfazer da gafe. Chegou diante do espelho e olhou para si mesma. Viu um poço profundo de orgulho e se sentiu envergonhada.
Laila pensou em todas aquelas pessoas que estavam lá fora, cantando e parabenizando seu trabalho. Eram pessoas das mais variadas áreas: desde donos de universidades até donos de mercadinhos de periferia. Queriam seu trabalho, confiavam em sua capacidade. E pensou em Clovis, o gordinho simpático de otimismo irritante. Era sempre tão prestativo e bacana!
Pensou na secretária. Ela tinha nome: Sandra. Assim como ela, Sandra também tinha seus dias de cão. Lembrou-se que alguém tinha dito que ela era mãe solteira e que tinha que dar um duro danado para cuidar do filho. Sentiu-se mal, pois ela, mulher feita, ainda esperava que a mãe fizesse seu café da manhã. Sandra era uma pessoa como todas as outras que conhecia, mas sua arrogância já havia pré-julgado seu comportamento.
Ela saiu do banheiro acanhada e tentou não deixar transparecer seu desconforto. Lembrou-se de que não era perfeita e não podia exigir isso de ninguém que estivesse ao seu redor. Olhou para todos, absortos em conversas, comendo bolo, ou simplesmente sentados olhando tudo, como ela. Eram todas pessoas como ela era, cheios de defeitos e também qualidades.
Ela foi até a mesa, pegou em um copo, encheu-o de guaraná e, abraçando Clovis pela cintura, sem que ele mesmo esperasse, e falou em voz alta:
-E então, seus preguiçosos? Vamos pensar na campanha dos refrigerantes Cosquinha para as férias de verão?












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