Um dia acontece
Ela
acordou pela manhã com seu desejo a flor da pele. O primeiro nome, o
primeiro rosto que viu a sua frente, em meio ao sono que ainda
persistia era o dele. Seus olhos escuros eram a imagem mais perfeita
para defini-lo.
Seu
corpo ainda quente da cama reclamou pela falta do homem que ainda
amava, mas que agora estava longe. Tentou pensar em esquecê-lo, mas
era impossível. Ainda o sentia dentro dela, vivo como nunca. Muitas
vezes havia ensaiado ligar para o seu celular, mesmo que só pra
ouvir sua voz, mas sempre desistia. Mas naquela manha resolveu
apostar sua ultima ficha. Não o tinha ali, nada mais sabia dele. Não
tinha nada a perder.
Pegou
o celular que estava no criado mudo e digitou uma mensagem de texto.
Suas mãos tremiam ao discar cada letrinha. Selecionou a frase e
discou o numero que ainda tinha decorado na cabeça. E sem pensar,
sem raciocinar nada, apertou a tecla de enviar. Estava assustada.
Ficou
na cama ainda por um tempo. Não tinha a menor noção do que havia
acabado de fazer. Seus pensamentos agora eram na possível
repercussão daquela atitude. Mas agora já estava feito. Não podia
voltar atrás.
A
manhã correu sem maiores novidades. Nenhuma mensagem nova em seu
celular, nenhum telefonema. Um misto de decepção e angustia
começaram a acometer a moça que, um dia jurara a si mesmo não mais
procurar aquele ingrato, que a havia rejeitado. Mas quando se
lembrava de cada momento que havia passado com ele, das loucuras de
amor que haviam vivido incluindo a noite em que se entregara a ele
sobre o capô de um carro, não conseguia levar isso adiante.
Lembrava-se de que um dia sonhara em ter um filho com aqueles lindos
olhos castanhos, como os do pai. Na verdade ela não queria esquecer.
Lembrou-se
da forma deliciosa como ele olhava para seu corpo, a cada movimento,
enquanto dividiam o mesmo espaço no trabalho. Era excitante cada
olhar de provocação, cada toque das mãos por debaixo da mesa, cada
toque erótico discreto na frente dos colegas, como um sussurro ao pé
do ouvido em plena sala de reunião. Lembrou-se das suas mãos
tocando cada centímetro de seu corpo, ávida e aflita, dos seus
lábios percorrendo sua pele arrepiada, em cada beijo, em cada
momento de entrega absoluta. Era preciso esquecer, já que ele nem
mesmo retornara a sua mensagem.
E
a vida continua. O trabalho a chamou para a realidade e logo estava
de novo na mais absoluta alienação pós-moderna.
Nem
mesmo seu coração sossegara quando o celular tocou. Era possível
que fosse ele? Olhou o identificador de chamadas e sentiu seu seus
batimentos dispararem. Era ele!
Sua
voz ainda era a mesma de outrora.
-Alô...?
-Oi...
Sentiu
um arrepio percorre-lhe todo o corpo. Podia até ver seu rosto
enquanto falava com ela...Quanto tempo já fazia tudo aquilo!
-Tudo
bem?
-Sim...e
você?
-Tudo
bem...Também estou com saudades de você...
Assim
que ouviu isso, ela se deu conta de que algo estava acontecendo.
Aquele amor, do passado, tão forte e inesperado, que tinha deixado
marcas tão profundas em sua vida havia passado. Sem saber como ou
porque, de repente, sentiu que havia acabado, que tudo, tudo que
sentira até aquele momento, se desmanchara. Um homem casado, como
ele era agora, cortejando uma mulher solteira, era algo muito baixo.
-Estou
no trabalho...
-Na
escola?
-Sim.Tenho
que voltar pra sala...
-Ok.
Qualquer hora passo até ai pra gente se falar mais.
-Certo...
-Beijos
Ao
desligar o telefone ela percebeu que coisas na vida têm o tempo
certo de serem vividas. Do contrario, caem na realidade e perdem o
encanto e o viço. Ou pior, ficam reais a tal ponto de ficarem
ridículas.
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