Sensatez
Aquela noite era especial no Teatro Municipal. O espetáculo principal, "As coisas boas do Brasil" estrearia e metade do Rio de Janeiro estava na plateia; ou pelo menos quem importava. Pessoas da classe artística, políticos e gente da alta roda carioca estavam ali, para ver as vedetes mais celebradas do país apresentarem seu mais novo número. Havia um frenesi nos bastidores.
Eliana estava deslumbrante: era sem dúvidas uma das mais bonitas. Beleza natural, sem aqueles recursos todos que a maioria das vedetes usavam. Tinha grandes olhos amendoados, com cílios imensos; boca bem feita, carnuda e convidativa. Seus cabelos crespos, castanhos claros, sempre alinhados, hoje estavam escondidos dentro do esplendor. De ancas largas e coxas grossas fazia suspirar os marmanjos que a viam dançar.
Evidentemente que a inveja que sentiam dela era notória. Eliana não era de fazer esforço pra agradar: era despachada e sensual na medida certa. Apesar da vida de uma vedete não ser exatamente um sonho, como costumavam pensar, ela sabia tirar grande proveito da situação. Ainda não era tão celebrada como algumas grandes vedetes, mas já estava garantindo seu pé-de-meia, com os presentes e oportunidades que tinha. Foi expulsa de casa pelo pai, aos 16 anos, após ele descobrir que ela e o vizinho faziam muito mais que as lições de casa nas tardes que se viam escondido, lá na casa de Realengo. Ele a enxotou como a um cachorro sarnento, batendo-lhe no meio da cara e jogando suas coisas no meio da rua. Eliana não se revoltou e nem se sentiu menor por isso, pois sabia que metade daquele subúrbio fedido fazia coisa muito pior por debaixo dos panos, mas mesmo assim todos fingiam que eram honestos e honrados. Pegou suas poucas coisas e saiu sem olhar pra trás. Não foi difícil para ela, bonita e vistosa que era, conseguir colocação: um desses malandros de porta de cinema a viu fazendo faxina numa loja de departamentos e a convidou pra ir fazer um teste pra vedete numa dessas espeluncas do Centro. Como ela tinha jeito pro riscado logo foi ficando conhecida e o Teatro Municipal era seu ápice máximo nesse momento. Mas por quê não sonhar? Podia ser uma Carmen Miranda, talvez? Ou uma Virgínia Laine...
As luzes se acenderam e todas as vedetes estavam perfiladas em frente ao palco. A principal, Dorothy Temple (que não verdade era Dorotéia de Souza, que mania que esse povo tem de por nome americano em tudo) estava na frente das demais. Usava uma fantasia esfuziante, com paetês douradas e plumas mil. A coreografia estava muito bem ensaiada à meses e todos ficaram encantados com a performance das vedetes, que dançaram e cantaram maravilhosamente. Eliana apenas dançou, mas fez muito bem seu papel.
Numa das mesas estava o banqueiro Manuel Matos, um dos homens mais ricos da cidade. Ele olhava minuciosamente para o palco, mais precisamente para Eliana. Enquanto conversava com os demais membros que lhe acompanhavam lançava olhares cada vez mais insistentes na direção dela, que sendo esperta como era percebeu. A princípio não fez menção nenhuma de responder, mas depois deu-lhe uma piscadela. Terminado o espetáculo, todos os componentes foram para os bastidores e as vedetes para os camarins. Um rapazinho afogueado chegou perguntando por Eliana:
- Eliana Soares?
As vedetes olharam para o rapazinho com malícia. Eliana respondeu.
-Pois não?
-Tenho um recado para a senhorita. Está aqui.
Estendendo o braço, entregou um bilhete. A curiosidade tomou conta do camarim inteiro e as vedetes ficaram em polvorosa para ver quem havia mandado o recado. De longe, Dorothy Temple fez cara de desdém, mas era pura inveja o que sentia. Eliana abriu o bilhete fazendo mistério.
-"Nesta noite especial uma estrela brilhava mais que todas as outras neste palco do Teatro Municipal: você. De seu ardoroso admirador;
Manuel Matos"
Todos ao redor se olharam admirados. Manuel Matos estava encantado por Eliana! Todos ali sabiam o que isso significava: presentes e muita projeção social. Influente como era podia abrir portas para qualquer uma ali. Eliana ficou surpresa: nunca tinha ouvido falar do sujeito.
-Mas você só pode estar de graça, né? Como não sabe quem é o Manuel Matos!? Está sempre aqui...
Eliana deu de ombros. Mas enfim: não se faria de rogada. Estava tirando a fantasia quando o mesmo rapazinho chegou com um bouque de rosas vermelhas.
- Para a senhorita... O Sr.Manuel Matos a aguarda para um drinque. Digo que a senhorita vai?
Eliana olhou para as companheiras e a resposta foi aguardada por todas. Por fim ela respondeu
- Por que não?
O rapazinho sorriu e as vedetes riram maliciosamente.
Um tempo depois Eliana aparecia num vestido oriental, cheio de bordados. Estava linda. Manuel se levantou para recepcioná-la.
-Prazer em conhecê-la. E agradeço que tenha aceitado meu convite.
-Obrigada.
Os dois se sentaram e ele pediu ao garçom que abrisse uma garrafa de champanhe; em pouco tempo era aberta e fazia cascatas nas taças dos convidados da mesa. Manuel pediu para fazer um brinde.
- Hoje quero brindar a esta talentosa vedete que encantou a todos com seu charme e elegância... Viva Eliana Soares!
Todos da mesa aplaudiram e algumas mesas ao redor acompanharam. Eliana ficou um pouco constrangida.
-Imagine...
-Não seja modesta, minha querida. Hoje o palco brilhou por você.
E entre sorrisos e gentilezas, Manuel perguntou se eles podiam se encontrar novamente. Não havia empecilho pra que isso acontecesse.
-Claro...quando quiser.
Manuel parecia entusiasmado com a ideia e beijou carinhosamente a mão de Eliana.
-Não vejo a hora.
Manuel pediu licença pra se retirar e olhou novamente para ela. Tinha mil compromissos no dia seguinte e saiu, não antes de pedir que Eliana o aguardasse por aqueles dias.
Tempos depois, num dos ensaios do Teatro Municipal, um valete chegou no camarim e perguntou por Eliana Soares. Ela estava no palco ensaiando e só soube do que se tratava depois. Sobre a penteadeira estava uma caixa de veludo vermelho, com seu nome. O alvoroço no camarim era enorme.
-Abra logo, mulher! Todo mundo aqui quer saber o que tem aí dentro!
Eliana abriu. Ali dentro reluzia um colar de brilhantes, tão brilhante que fez muita gente ali ficar cega de inveja. Eliana estava maravilhada.
-Mas olhe só isso!
Dentro, um bilhete.
-"Minha querida Eliana... Sei que esta joia não faz jus ao seu brilho, mas aceite como uma retribuição à sua adorável companhia naquela noite especial. De seu gentil admirador;
Manuel Matos"
Eliana estava convencida de que havia fisgado aquele homem. Tempos depois um convite para jantar foi feito e Eliana apareceu usando o colar de brilhantes que Manuel havia lhe dado. Comeram bem, beberam champanhe e terminaram numa suíte presidencial do Copacabana Palace, numa noite quente e sensual do Rio de Janeiro. E vários presentes vieram depois: pulseira de rubi, chocolates belgas, uma echarpe de pele, colônias francesas... Não havia um encontro em que Eliana não fosse regalada por um mimo majestoso. Eliana tomou conhecimento desde início de que se tratava de um homem casado, mas ela era uma vedete: o que mais uma vedete poderia querer além de um protetor da estirpe de Manuel Matos?
Ela gostava dele. Era um homem cuidadoso e cheio de charme. Adorava sentir seu perfume, seu cabelo e barba sempre arrumados, as roupas alinhadas; adorava a forma como ele a tocava e fazia se sentir. Era bom estar com ele em todas as vezes: ela a fazia se sentir especial. Mas nem tudo eram flores. Ele tinha o péssimo hábito de falar da esposa, dos problemas com os filhos e com o banco, estragando muitas vezes momentos leves que eles tinham um com o outro. Ela sabia que aquilo era indelicado e insensível da parte dele, mas fingia não se importar. Afinal, que mais poderia esperar?
Um dia, saindo com mais duas vedetes pra fazer compras, Eliana parou em frente de uma loja de departamentos e ouviu no rádio uma voz conhecida. O vendedor já veio prontamente ver se de repente ela se interessasse por comprá-lo.
-É nosso último lançamento, senhorita. Muito bom.
-Quem está falando?
-Ah! É o pronunciamento de Getúlio Vargas com o apoio de Manuel de Matos... Políticos!
Eliana ficou prestando a atenção no discurso. A voz era inconfundível: era Manuel que falava. Havia pedido a palavra para falar numa entrevista de Getúlio sobre valores. Eliana se aproximou para ouvir melhor.
" -Pois bem... Vivemos numa sociedade onde a família é a coisa mais importante que alguém pode ter. Nossas esposas, nossas pérolas, nossas joias preciosas, devem ser valorizadas e amadas; devemos ser contra toda a falta de recato, toda a promiscuidade, tudo aquilo que é contra a família. O lugar da mulher é ao lado se seu esposo, lhe dando apoio, lhe dando amor e fidelidade, assim como todo homem de bem deve honrar a sua esposa. Um cristão genuíno honra o seu lar. Honra sua família. Nós representamos a família brasileira! Viva a família!!!"
Eliana estava petrificada. Era como se tivesse tomado um golpe na beira do estômago. Aquele homem, que falava em família e valores de homem de bem se deitava com ela toda semana, lhe dava presentes e lhe fazia elogios. Aquele homem falava em honra e ia ter com ela num quarto de hotel fazer sexo fora do casamento. O mesmo homem que falava de fidelidade estava cortejando uma corista, uma vedete. Eliana chegou-se perto das amigas lívida como cal.
-O que você tem, mulher? Está branca!
-Acho que não vou levar nada. Vamos embora?
As duas consentiram com a cabeça sem entender nada. Saíram da loja sem levar uma única meia fina.
Chegando em casa Eliana se enfiou debaixo do chuveiro e esfregou com bucha e sabão cada centímetro do seu corpo. Estava sentindo nojo de si mesma. Ela não queria lembrar que aquele homem a havia tocado. Ela sentia repulsa cada vez que se lembrava daquela voz falando aquelas coisas na emissora de rádio. Ela era puta sim, mas tinha dignidade. Era puta sim, mas tinha brio, tinha orgulho e vergonha na cara. Era puta sim, mas não ia deixar um cretino daqueles tocar de nosso sua pele. Ia se deitar com qualquer estivador imundo do porto, com qualquer bêbado da Cinelândia, com qualquer gigolô barato , mas não conseguia nem pensar no cheiro do perfume de Manuel sem sentir asco e nojo. Eliana sabia que todos os homens faziam aquele papel, mas era a primeira vez que tinha que confrontar-se com a realidade. Era puta sim, mas não daquele homem.
Todas as tentativas de Manuel de se aproximar novamente de Eliana foram rechaçadas sem nenhuma explicação. Ele, sem entender nada, ainda insistiu por um tempo, mas depois recuou. Afinal de contas, o que mais existiam eram vedetes por aí.
Eliana, continua a dançar no Teatro Municipal. Soube que naquela noite em especial havia um agente da Broadway de olho em novos talentos. Torceu para que de repente ele se encantasse por seus belos par de pernas.
Eliana estava deslumbrante: era sem dúvidas uma das mais bonitas. Beleza natural, sem aqueles recursos todos que a maioria das vedetes usavam. Tinha grandes olhos amendoados, com cílios imensos; boca bem feita, carnuda e convidativa. Seus cabelos crespos, castanhos claros, sempre alinhados, hoje estavam escondidos dentro do esplendor. De ancas largas e coxas grossas fazia suspirar os marmanjos que a viam dançar.
Evidentemente que a inveja que sentiam dela era notória. Eliana não era de fazer esforço pra agradar: era despachada e sensual na medida certa. Apesar da vida de uma vedete não ser exatamente um sonho, como costumavam pensar, ela sabia tirar grande proveito da situação. Ainda não era tão celebrada como algumas grandes vedetes, mas já estava garantindo seu pé-de-meia, com os presentes e oportunidades que tinha. Foi expulsa de casa pelo pai, aos 16 anos, após ele descobrir que ela e o vizinho faziam muito mais que as lições de casa nas tardes que se viam escondido, lá na casa de Realengo. Ele a enxotou como a um cachorro sarnento, batendo-lhe no meio da cara e jogando suas coisas no meio da rua. Eliana não se revoltou e nem se sentiu menor por isso, pois sabia que metade daquele subúrbio fedido fazia coisa muito pior por debaixo dos panos, mas mesmo assim todos fingiam que eram honestos e honrados. Pegou suas poucas coisas e saiu sem olhar pra trás. Não foi difícil para ela, bonita e vistosa que era, conseguir colocação: um desses malandros de porta de cinema a viu fazendo faxina numa loja de departamentos e a convidou pra ir fazer um teste pra vedete numa dessas espeluncas do Centro. Como ela tinha jeito pro riscado logo foi ficando conhecida e o Teatro Municipal era seu ápice máximo nesse momento. Mas por quê não sonhar? Podia ser uma Carmen Miranda, talvez? Ou uma Virgínia Laine...
As luzes se acenderam e todas as vedetes estavam perfiladas em frente ao palco. A principal, Dorothy Temple (que não verdade era Dorotéia de Souza, que mania que esse povo tem de por nome americano em tudo) estava na frente das demais. Usava uma fantasia esfuziante, com paetês douradas e plumas mil. A coreografia estava muito bem ensaiada à meses e todos ficaram encantados com a performance das vedetes, que dançaram e cantaram maravilhosamente. Eliana apenas dançou, mas fez muito bem seu papel.
Numa das mesas estava o banqueiro Manuel Matos, um dos homens mais ricos da cidade. Ele olhava minuciosamente para o palco, mais precisamente para Eliana. Enquanto conversava com os demais membros que lhe acompanhavam lançava olhares cada vez mais insistentes na direção dela, que sendo esperta como era percebeu. A princípio não fez menção nenhuma de responder, mas depois deu-lhe uma piscadela. Terminado o espetáculo, todos os componentes foram para os bastidores e as vedetes para os camarins. Um rapazinho afogueado chegou perguntando por Eliana:
- Eliana Soares?
As vedetes olharam para o rapazinho com malícia. Eliana respondeu.
-Pois não?
-Tenho um recado para a senhorita. Está aqui.
Estendendo o braço, entregou um bilhete. A curiosidade tomou conta do camarim inteiro e as vedetes ficaram em polvorosa para ver quem havia mandado o recado. De longe, Dorothy Temple fez cara de desdém, mas era pura inveja o que sentia. Eliana abriu o bilhete fazendo mistério.
-"Nesta noite especial uma estrela brilhava mais que todas as outras neste palco do Teatro Municipal: você. De seu ardoroso admirador;
Manuel Matos"
Todos ao redor se olharam admirados. Manuel Matos estava encantado por Eliana! Todos ali sabiam o que isso significava: presentes e muita projeção social. Influente como era podia abrir portas para qualquer uma ali. Eliana ficou surpresa: nunca tinha ouvido falar do sujeito.
-Mas você só pode estar de graça, né? Como não sabe quem é o Manuel Matos!? Está sempre aqui...
Eliana deu de ombros. Mas enfim: não se faria de rogada. Estava tirando a fantasia quando o mesmo rapazinho chegou com um bouque de rosas vermelhas.
- Para a senhorita... O Sr.Manuel Matos a aguarda para um drinque. Digo que a senhorita vai?
Eliana olhou para as companheiras e a resposta foi aguardada por todas. Por fim ela respondeu
- Por que não?
O rapazinho sorriu e as vedetes riram maliciosamente.
Um tempo depois Eliana aparecia num vestido oriental, cheio de bordados. Estava linda. Manuel se levantou para recepcioná-la.
-Prazer em conhecê-la. E agradeço que tenha aceitado meu convite.
-Obrigada.
Os dois se sentaram e ele pediu ao garçom que abrisse uma garrafa de champanhe; em pouco tempo era aberta e fazia cascatas nas taças dos convidados da mesa. Manuel pediu para fazer um brinde.
- Hoje quero brindar a esta talentosa vedete que encantou a todos com seu charme e elegância... Viva Eliana Soares!
Todos da mesa aplaudiram e algumas mesas ao redor acompanharam. Eliana ficou um pouco constrangida.
-Imagine...
-Não seja modesta, minha querida. Hoje o palco brilhou por você.
E entre sorrisos e gentilezas, Manuel perguntou se eles podiam se encontrar novamente. Não havia empecilho pra que isso acontecesse.
-Claro...quando quiser.
Manuel parecia entusiasmado com a ideia e beijou carinhosamente a mão de Eliana.
-Não vejo a hora.
Manuel pediu licença pra se retirar e olhou novamente para ela. Tinha mil compromissos no dia seguinte e saiu, não antes de pedir que Eliana o aguardasse por aqueles dias.
Tempos depois, num dos ensaios do Teatro Municipal, um valete chegou no camarim e perguntou por Eliana Soares. Ela estava no palco ensaiando e só soube do que se tratava depois. Sobre a penteadeira estava uma caixa de veludo vermelho, com seu nome. O alvoroço no camarim era enorme.
-Abra logo, mulher! Todo mundo aqui quer saber o que tem aí dentro!
Eliana abriu. Ali dentro reluzia um colar de brilhantes, tão brilhante que fez muita gente ali ficar cega de inveja. Eliana estava maravilhada.
-Mas olhe só isso!
Dentro, um bilhete.
-"Minha querida Eliana... Sei que esta joia não faz jus ao seu brilho, mas aceite como uma retribuição à sua adorável companhia naquela noite especial. De seu gentil admirador;
Manuel Matos"
Eliana estava convencida de que havia fisgado aquele homem. Tempos depois um convite para jantar foi feito e Eliana apareceu usando o colar de brilhantes que Manuel havia lhe dado. Comeram bem, beberam champanhe e terminaram numa suíte presidencial do Copacabana Palace, numa noite quente e sensual do Rio de Janeiro. E vários presentes vieram depois: pulseira de rubi, chocolates belgas, uma echarpe de pele, colônias francesas... Não havia um encontro em que Eliana não fosse regalada por um mimo majestoso. Eliana tomou conhecimento desde início de que se tratava de um homem casado, mas ela era uma vedete: o que mais uma vedete poderia querer além de um protetor da estirpe de Manuel Matos?
Ela gostava dele. Era um homem cuidadoso e cheio de charme. Adorava sentir seu perfume, seu cabelo e barba sempre arrumados, as roupas alinhadas; adorava a forma como ele a tocava e fazia se sentir. Era bom estar com ele em todas as vezes: ela a fazia se sentir especial. Mas nem tudo eram flores. Ele tinha o péssimo hábito de falar da esposa, dos problemas com os filhos e com o banco, estragando muitas vezes momentos leves que eles tinham um com o outro. Ela sabia que aquilo era indelicado e insensível da parte dele, mas fingia não se importar. Afinal, que mais poderia esperar?
Um dia, saindo com mais duas vedetes pra fazer compras, Eliana parou em frente de uma loja de departamentos e ouviu no rádio uma voz conhecida. O vendedor já veio prontamente ver se de repente ela se interessasse por comprá-lo.
-É nosso último lançamento, senhorita. Muito bom.
-Quem está falando?
-Ah! É o pronunciamento de Getúlio Vargas com o apoio de Manuel de Matos... Políticos!
Eliana ficou prestando a atenção no discurso. A voz era inconfundível: era Manuel que falava. Havia pedido a palavra para falar numa entrevista de Getúlio sobre valores. Eliana se aproximou para ouvir melhor.
" -Pois bem... Vivemos numa sociedade onde a família é a coisa mais importante que alguém pode ter. Nossas esposas, nossas pérolas, nossas joias preciosas, devem ser valorizadas e amadas; devemos ser contra toda a falta de recato, toda a promiscuidade, tudo aquilo que é contra a família. O lugar da mulher é ao lado se seu esposo, lhe dando apoio, lhe dando amor e fidelidade, assim como todo homem de bem deve honrar a sua esposa. Um cristão genuíno honra o seu lar. Honra sua família. Nós representamos a família brasileira! Viva a família!!!"
Eliana estava petrificada. Era como se tivesse tomado um golpe na beira do estômago. Aquele homem, que falava em família e valores de homem de bem se deitava com ela toda semana, lhe dava presentes e lhe fazia elogios. Aquele homem falava em honra e ia ter com ela num quarto de hotel fazer sexo fora do casamento. O mesmo homem que falava de fidelidade estava cortejando uma corista, uma vedete. Eliana chegou-se perto das amigas lívida como cal.
-O que você tem, mulher? Está branca!
-Acho que não vou levar nada. Vamos embora?
As duas consentiram com a cabeça sem entender nada. Saíram da loja sem levar uma única meia fina.
Chegando em casa Eliana se enfiou debaixo do chuveiro e esfregou com bucha e sabão cada centímetro do seu corpo. Estava sentindo nojo de si mesma. Ela não queria lembrar que aquele homem a havia tocado. Ela sentia repulsa cada vez que se lembrava daquela voz falando aquelas coisas na emissora de rádio. Ela era puta sim, mas tinha dignidade. Era puta sim, mas tinha brio, tinha orgulho e vergonha na cara. Era puta sim, mas não ia deixar um cretino daqueles tocar de nosso sua pele. Ia se deitar com qualquer estivador imundo do porto, com qualquer bêbado da Cinelândia, com qualquer gigolô barato , mas não conseguia nem pensar no cheiro do perfume de Manuel sem sentir asco e nojo. Eliana sabia que todos os homens faziam aquele papel, mas era a primeira vez que tinha que confrontar-se com a realidade. Era puta sim, mas não daquele homem.
Todas as tentativas de Manuel de se aproximar novamente de Eliana foram rechaçadas sem nenhuma explicação. Ele, sem entender nada, ainda insistiu por um tempo, mas depois recuou. Afinal de contas, o que mais existiam eram vedetes por aí.
Eliana, continua a dançar no Teatro Municipal. Soube que naquela noite em especial havia um agente da Broadway de olho em novos talentos. Torceu para que de repente ele se encantasse por seus belos par de pernas.
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