Não faz mais diferença
O celular não parava de vibrar. Independente disso, do outro lado da sala, ela continuava a arrumar a prateleira de livros. Os olhos tristes, porém decididos, denunciavam o choro de minutos atrás.
Mas vamos com calma. Vamos voltar dois meses no tempo. Ou melhor, um ano e meio.
Laura estava na mesa de um jantar chatíssimo. Ao lado, o esposo com cara de bunda e sem paciência pra esperar o jantar ser servido. Estava na mesma: era sempre a mesma coisa. A vida conjugal era tão modorrenta quanto aquele jantar mas ela suportava com bravura. Na vida era preciso fazer sacrifícios pra que as coisas dessem certo.
Laura estava mais calma do que o habitual: o que lhe restava? Estava acostumando-se a se conformar. A vida com suas pequenas coisas, suas novidades insípidas já faziam parte de seu cotidiano. Era assim que as coisas funcionavam.
Porém, do outro lado do salão de festas, um olhar lhe chamou a atenção. Ela já o conhecia de vista de alguns encontros de trabalho do esposo. Mas não era para ele que o olhar se dirigia: o olhar era dele para ela. Fixo, direto. Era Alcides. Era inegável que ele era um homem vistoso, bonito. Havia conversado com ele uma vez, numa festinha de fim de ano da empresa e havia sido muito agradável. Mas nada além a não ser o fato de que a forma como ele a olhava era sugestiva demais. E não: ela não estava enganada; ele a estava olhando novamente.
Pra evitar qualquer mal entendido, Laura desviou o olhar e não fez mais caso disso. Não queria confusão.
Passaram-se seis meses. Laura estava sentada na cama, no seu quarto. Ao seu lado, sua aliança. O marido, agora ex, passava de um lado para o outro com caixas e embrulhos: estavam se separando. Entre acusações mútuas e mágoas, Laura sentiu-se fracassada. Ninguém casava-se pra dar errado. Por um lado, pensava em todos os defeitos do ex-marido com rancor. A falta de vida, a falta de vontade, a falta de tudo naquele casamento a fizeram perceber que na verdade não havia o que perder. Chorou pelo hábito: afinal sua vida estava mudando e era assustador.
Às vezes olhava-se no espelho e via uma mulher triste, abatida. Mas também via uma mulher cheia de vida e vontades. Laura ainda sentia dentro de si arder uma centelha que o casamento lhe havia apagado. Sentiu uma estranha vontade de viver, incompatível com sua realidade de mulher recém-separada. Era preciso ter cautela mas a vontade veio em torrentes.
E num desses dias sem graça, entre contas pra pagar e falta do que fazer Laura lembrou-se de Alcides. Aquele olhar a fazia queimar por dentro. O que teria sido feito dele? Não sabia mais; com a mudança do marido tinha perdido o contato. Resolveu investigar. Não foi difícil: ele continuava na mesma empresa. Conseguiu o telefone dele e ficou ensaiando uma oportunidade para ligar. Não demorou tanto assim.
A reação dele foi a de quem já estava esperando. E o papo foi ótimo. Era fácil conversar com ele! E a conversa fluiu, no outro dia a mesma coisa. E assim começaram a se falar com uma regularidade de namorados.
Um dia, como era previsível, decidiram se encontrar. Laura parecia reticente no começo, mas acabou cedendo. E a presença de Alcides, vê-lo assim, de perto, mexeu terrivelmente com ela. Ele era tão diferente do seu ex! Era bonitão, bem feito de corpo, interessado... Ficaram conversando displicentemente até que ele a beijou, sem cerimônia.
Aquele beijo a arrebatou de vez. Há tanto tempo não se sentia assim! Sentiu-se mulher de novo. Sentiu-se desejável de novo. Aquele homem provocou nela a mulher ardente que sempre foi, fez ela sentir vontade de viver uma loucura outra vez. Não resistiu nem um pouquinho quando ele a levou pra o motel.
Cada toque, cada carícia, cada momento com ele reacendia nela as delícias de desejar novamente. Ela não queria resistir: queria se entregar. Alcides sabia tocá-la com maestria, com tesão e isso fazia dela uma cativa dele.
Os encontros continuaram, para a alegria de Laura. Sentir aquela ardência, sentir-se desejada mexia com seu ego e sua emoção. Era bom estar com ele. Evidente que nem tudo era perfeito: ele era ausente, às vezes simplesmente se ausentava, sem ligar ou procurar por ela. Às vezes falava coisas que a incomodavam, mas isso tudo era contornado pelo fato de que estar com ele era uma experiência maravilhosa. Ele a fazia sentir-se desejável num nível transcendental.
O problema é que o coração das mulheres não foi feito para aventuras. E com o coraçãozinho de Laura não foi diferente: ela se ressentiu com as ausências dele cada vez mais, começou a ficar incomodada quando ele falava de outras mulheres com quem já tinha se relacionado. Mas ela perdoava a falta de jeito dele: ele se retratava, dizia não ter muito crivo e compensava seus deslizes com noites de prazer e alegria. Mas aquele coração queria mais.
Apesar de tudo Laura acreditava que eles estavam na mesma vibração. Era tão bom quando estavam juntos! Como ele não estaria interessado? Era tudo tão gostoso, tão real! Ela sentia isso. Outro grande dilema feminino: entender que os homens não funcionavam como as mulheres. Por mais que se ache algo, a chance do engano ser real era imensa.
E numa dessas noites sensuais em que as pessoas esperam que algo aconteça Laura abriu seu coração. Falou de amor, de carinho e de tudo que sentia; quis compartilhar aquele sentimento com Alcides. Sentiu-se a vontade pra isso. Entre risos e um ar quase debochado, Alcides só respondeu de forma resoluta que não era capaz de se apaixonar. Mas que gostava de estar com ela. Laura só esperou que ele a deixasse em casa para chorar desesperadamente.
O coraçãozinho, despedaçado e destruído pela decepção, envergonhado pela ilusão de menina boba que se encanta pelo garoto cobiçado do time de futebol, cheio de tristeza pelo que não havia sido, por aquilo que só havia existido em suas expectativas sangrou por dias. Laura ficou mal de verdade.
Não importa o quanto se é verdadeiro: com as coisas do coração o entendimento era outro. E Laura não quis saber de mais nada. Não queria ver, não queria falar, não queria saber de Alcides. Ele não a procurou por um bom tempo e isso foi até bom: fazia o serviço todo por ela. Laura jamais seria capaz de ficar com um homem que havia feito pouco caso de seus sentimentos. Quem não a queria por inteiro não a merecia.
Agora, o telefone tocava, do outro lado da sala, enquanto ela arrumava os livros na prateleira. Não importava mais quem era.
Mas vamos com calma. Vamos voltar dois meses no tempo. Ou melhor, um ano e meio.
Laura estava na mesa de um jantar chatíssimo. Ao lado, o esposo com cara de bunda e sem paciência pra esperar o jantar ser servido. Estava na mesma: era sempre a mesma coisa. A vida conjugal era tão modorrenta quanto aquele jantar mas ela suportava com bravura. Na vida era preciso fazer sacrifícios pra que as coisas dessem certo.
Laura estava mais calma do que o habitual: o que lhe restava? Estava acostumando-se a se conformar. A vida com suas pequenas coisas, suas novidades insípidas já faziam parte de seu cotidiano. Era assim que as coisas funcionavam.
Porém, do outro lado do salão de festas, um olhar lhe chamou a atenção. Ela já o conhecia de vista de alguns encontros de trabalho do esposo. Mas não era para ele que o olhar se dirigia: o olhar era dele para ela. Fixo, direto. Era Alcides. Era inegável que ele era um homem vistoso, bonito. Havia conversado com ele uma vez, numa festinha de fim de ano da empresa e havia sido muito agradável. Mas nada além a não ser o fato de que a forma como ele a olhava era sugestiva demais. E não: ela não estava enganada; ele a estava olhando novamente.
Pra evitar qualquer mal entendido, Laura desviou o olhar e não fez mais caso disso. Não queria confusão.
Passaram-se seis meses. Laura estava sentada na cama, no seu quarto. Ao seu lado, sua aliança. O marido, agora ex, passava de um lado para o outro com caixas e embrulhos: estavam se separando. Entre acusações mútuas e mágoas, Laura sentiu-se fracassada. Ninguém casava-se pra dar errado. Por um lado, pensava em todos os defeitos do ex-marido com rancor. A falta de vida, a falta de vontade, a falta de tudo naquele casamento a fizeram perceber que na verdade não havia o que perder. Chorou pelo hábito: afinal sua vida estava mudando e era assustador.
Às vezes olhava-se no espelho e via uma mulher triste, abatida. Mas também via uma mulher cheia de vida e vontades. Laura ainda sentia dentro de si arder uma centelha que o casamento lhe havia apagado. Sentiu uma estranha vontade de viver, incompatível com sua realidade de mulher recém-separada. Era preciso ter cautela mas a vontade veio em torrentes.
E num desses dias sem graça, entre contas pra pagar e falta do que fazer Laura lembrou-se de Alcides. Aquele olhar a fazia queimar por dentro. O que teria sido feito dele? Não sabia mais; com a mudança do marido tinha perdido o contato. Resolveu investigar. Não foi difícil: ele continuava na mesma empresa. Conseguiu o telefone dele e ficou ensaiando uma oportunidade para ligar. Não demorou tanto assim.
A reação dele foi a de quem já estava esperando. E o papo foi ótimo. Era fácil conversar com ele! E a conversa fluiu, no outro dia a mesma coisa. E assim começaram a se falar com uma regularidade de namorados.
Um dia, como era previsível, decidiram se encontrar. Laura parecia reticente no começo, mas acabou cedendo. E a presença de Alcides, vê-lo assim, de perto, mexeu terrivelmente com ela. Ele era tão diferente do seu ex! Era bonitão, bem feito de corpo, interessado... Ficaram conversando displicentemente até que ele a beijou, sem cerimônia.
Aquele beijo a arrebatou de vez. Há tanto tempo não se sentia assim! Sentiu-se mulher de novo. Sentiu-se desejável de novo. Aquele homem provocou nela a mulher ardente que sempre foi, fez ela sentir vontade de viver uma loucura outra vez. Não resistiu nem um pouquinho quando ele a levou pra o motel.
Cada toque, cada carícia, cada momento com ele reacendia nela as delícias de desejar novamente. Ela não queria resistir: queria se entregar. Alcides sabia tocá-la com maestria, com tesão e isso fazia dela uma cativa dele.
Os encontros continuaram, para a alegria de Laura. Sentir aquela ardência, sentir-se desejada mexia com seu ego e sua emoção. Era bom estar com ele. Evidente que nem tudo era perfeito: ele era ausente, às vezes simplesmente se ausentava, sem ligar ou procurar por ela. Às vezes falava coisas que a incomodavam, mas isso tudo era contornado pelo fato de que estar com ele era uma experiência maravilhosa. Ele a fazia sentir-se desejável num nível transcendental.
O problema é que o coração das mulheres não foi feito para aventuras. E com o coraçãozinho de Laura não foi diferente: ela se ressentiu com as ausências dele cada vez mais, começou a ficar incomodada quando ele falava de outras mulheres com quem já tinha se relacionado. Mas ela perdoava a falta de jeito dele: ele se retratava, dizia não ter muito crivo e compensava seus deslizes com noites de prazer e alegria. Mas aquele coração queria mais.
Apesar de tudo Laura acreditava que eles estavam na mesma vibração. Era tão bom quando estavam juntos! Como ele não estaria interessado? Era tudo tão gostoso, tão real! Ela sentia isso. Outro grande dilema feminino: entender que os homens não funcionavam como as mulheres. Por mais que se ache algo, a chance do engano ser real era imensa.
E numa dessas noites sensuais em que as pessoas esperam que algo aconteça Laura abriu seu coração. Falou de amor, de carinho e de tudo que sentia; quis compartilhar aquele sentimento com Alcides. Sentiu-se a vontade pra isso. Entre risos e um ar quase debochado, Alcides só respondeu de forma resoluta que não era capaz de se apaixonar. Mas que gostava de estar com ela. Laura só esperou que ele a deixasse em casa para chorar desesperadamente.
O coraçãozinho, despedaçado e destruído pela decepção, envergonhado pela ilusão de menina boba que se encanta pelo garoto cobiçado do time de futebol, cheio de tristeza pelo que não havia sido, por aquilo que só havia existido em suas expectativas sangrou por dias. Laura ficou mal de verdade.
Não importa o quanto se é verdadeiro: com as coisas do coração o entendimento era outro. E Laura não quis saber de mais nada. Não queria ver, não queria falar, não queria saber de Alcides. Ele não a procurou por um bom tempo e isso foi até bom: fazia o serviço todo por ela. Laura jamais seria capaz de ficar com um homem que havia feito pouco caso de seus sentimentos. Quem não a queria por inteiro não a merecia.
Agora, o telefone tocava, do outro lado da sala, enquanto ela arrumava os livros na prateleira. Não importava mais quem era.
Bom texto. E com uma temática que "parece" leve. Gostei.
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