Reflexão

Estela sequer erguia os olhos. Ouvia cada palavra como se fosse uma sentenciada à morte. Por mais que quisesse dizer alguma coisa não podia: aquele aperto insuportável dentro do peito e o nó na garganta não deixavam. Era uma dor quase sobrihumana.
- Eu gosto de você. Mas apesar de termos momentos maravilhosos juntos eu não posso violentar o sentimento de ninguém. Não é justo.
Silêncio. Ninguém dizia mais nada. Tiago ainda quis dizer mais alguma coisa, mas sentiu que não era necessário. Como Estela não esboçou nenhuma reação, nem boa nem ruim, resolveu se despedir.
- Eu preciso ir. Tchau.
Estela continuou sentada onde estava. O coração doía, a alma doía, tudo doía. Ela não queria chorar ali, mas também não conseguia juntar forças pra se levantar e sair. Sentia -se quebrada por dentro.
Mil coisas passavam pela sua cabeça. Sentia -se tola, boba mesmo. Acreditar em tanta mentira, tanta ilusão? Ela não foi enganada.
O misto entre o que tinha sido bom e a decepção inundava sua mente agora. Que fazer? Sua percepção havia sido desmerecida por sua vaidade. Ela sempre soube quem ele era. Por fim, levantou-se e foi pra casa. O choro, em torrente, como numa grande tempestade, finalmente veio. Estela chorou como uma viúva que precisa saber o  que fazer com seu defunto. Ela precisava "matar" o que sentia por Tiago: esquecer tudo, esquecer da paixão que sentia, da expectativa de um encontro, do bem estar que ele lhe causava. Era uma tempestade que estava só começando.
- Eu só queria não ter um coração. Seria mais fácil.
Embora sentisse vontade de chorar quase o tempo todo, Estela resistia. Era fácil lembrar de tudo! Qualquer coisa fazia ela voltar a pensar nele. Fosse uma música, fosse um letreiro, fosse um lápis de cor.
- Qualquer sentimento é por inteiro... Não se ama pela metade. Não se odeia pela metade. Não se importa pela metade. E com a decepção é a mesma coisa.  Quando nos decepcionamos é por inteiro - ela costumava conversar consigo mesma.
Não foi fácil. Tinha dias que eram dolorosos. As lembranças são o pior tesouro que uma mulher pode ter. Se livrar dessa herança era um fardo pra ela.
Estela queria esquecer. Quis tanto quanto queria Tiago. Queria viver sua vida sem aquilo. E então lembrou- se dos projetos que tinha, da vida que pulsava dentro dela e que ainda estavam ali. Começou a olhar para seu rosto no espelho e quis dar vida àqueles olhos tristes. Não, não era pena de si mesma. Era um desejo genuíno de ficar em paz.
Lembrou -se da  conduta de Tiago e viu que ele não merecia mais uma centelha que fosse dos seus sentimentos. Embora soubesse que não era exatamente assim, achou que era hora de seguir.
- Eu preciso fazer as pazes comigo mesma.
E aquele "amor", que na verdade ela nem sabia se era realmente isso mesmo, virou uma vontade enorme de sair pra dançar, de viajar, de comer algo diferente, de fazer pós graduação ou curso de francês. Aquele amor, que ela quis dar à alguém que sequer pediu isso, ela quis dar pra ela. E ela deu.


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