Voyeur

Tudo é possível da janela de um arranha-céu. Você vê tantas coisas ao mesmo tempo! É impossível negar a satisfação de lidar com tantas possibilidades ao mesmo tempo. Um carro brilhando a luz do sol, uma sacola voando ao vento, um pequeno tumulto na rua... Tudo ao alcance da imaginação.
Aníbal abriu a janela de seu escritório exatamente às 8 da manhã. Fazia um calor bem suportável naquele dia de sol de outono. A brisa delicada fazia um sol muito peculiar ao passar naquela altura. Seu andar estava localizado bem no meio do prédio.
A vida de um advogado nem sempre é animada. Papéis, petições, ações. E mesmo para ele que tentava não levar sua profissão tão a sério às vezes era massacrante. Aquele dia, no entanto, estava peculiar. O telefone não havia tocado, a secretária não o solicitou nenhuma vez e ninguém havia lhe chamado. Ficou curioso sobre tamanha calma e foi na recepção.
- Nossa... nem parece que ainda é terça-feira!
A secretária sorriu com delicadeza.
-Os outros ainda não chegaram. Pediram pra avisar que só chegam depois do almoço.
Hum. Então estava sozinho? Pois bem. Iria fazer algo pra matar o tempo.
Ficou um tempo lendo um livro que ganhara da irmã no aniversário mas que nunca conseguia terminar. Não que não fosse interessante: ficção científica era o máximo. Mas eram tantas coisas pra fazer que sempre deixava o marcador em alguma página. Uma pena. Mas seria diferente agora, poi iria avançar o máximo que pudesse.
A leitura avançou mas o tempo não. Olhou no relógio e eram 9:30. Putz!
-Pois é.
Foi até a janela e ficou olhando a rotina desenrolando-se suavemente. Pessoas passando para lá e cá, carros, sons. Era bonito de ver a vibração das ruas. Gostava de se perder nessa vastidão de coisas, de infinitas realidades.
Notou algo entre aquela confusão absolutamente inesperado. Numa das poucas casas que haviam ali, sem ser percebida, quase que poeticamente estava uma mulher, mexendo em suas plantas. Não sabia precisar que idade tinha, mas seus traços eram bem joviais. Seus cabelo, displicentemente preso, deixava escapar pequenas madeixas. Mas não era isso que o deixara estático, fascinado.
Ela estava envolta em um roupão de cetim branco. Este, mal arrematado na cintura, lhe dava uma visão deliciosa de ângulos de seu corpo. A sensação que dava era de que o cinto iria escapar a qualquer momento revelando todos os segredos dela.
A princípio ele corou. Mas a ideia de não ser censurado, de ser mero espectador daquela cena aparentemente sem nenhum mal lhe atiçou os sentidos.Por um tempo ficou escondido mas ao ver que ela não dava por ele ficou simplesmente olhando, sem preocupar-se em ser descoberto. De repente o telefone toca. Mas que porra é essa!?
Teve que atender a um cliente. Ficou preso ao telefone por um longo tempo. Quando voltou a janela ela já na estava mais lá.
A cena não saía da sua cabeça. Passou o dia pensando nisso. E a noite também. Era uma fantasia mais que bem vinda para aqueles dias.
No outro dia, ficou espiando para ver se tinha a mesma sorte de outrora. Aguardou o mesmo horário e pra sua satisfação lá estava. Ela, em seu manto diáfano de sedução, responsável absoluta pela mais ousada visão daquele perímetro.
E enquanto ele simplesmente olhava algo aconteceu. De longe, como que por aviso ela o viu. Mesmo sendo o mais correto a fazer ele não saiu da onde estava, sequer se moveu. Por um instante, os dois ficaram olhando-se, paralisados em sua curiosidade.
E ela sorriu. Um sorriso imenso! Ele, tonto, sorriu de volta. E ela retomou seu cuidado com as plantas sem voltar a olhar, como se ele já não estivesse ali.
E assim, todos os dias, ele ia até a janela para esperar. Ela saía, ritualisticamente, olhava, sorria e se entregava aos cuidados com as plantas. Nesse tempo ele já notara seus contornos, seus detalhes e até uma pequena mancha em seu tornozelo esquerdo.
Eles jamais se encontraram. Jamais souberam o nome um do outro, o que faziam, quem tinham, o que eram. Nunca saíram daquele jogo. A magia consistia em não deixar nada mudar; tudo estava perfeito como estava. E eles queriam assim, exatamente assim. Era o sonho perfeito.


Comentários

  1. Perfeito! Já vivi uma mesma situação, nos meus 19 anos de idade....e também nunca soube nada da pessoa, apenas ficou a fantasia que criei. Adorei.

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