Espectro
Na caixa de madeira rústica, arrumada cuidadosamente, tinha chá gelado, torradas, um pequeno pote de geleia de goiaba, um potinho de manteiga, muffins de chocolate amargo e uma mistura para cappuccino já na caneca devidamente embalada. Flaviana havia conferido cada detalhe minuciosamente para que nada desse errado.
- Vou levar eu mesma!
-Tem certeza? Perguntou a atendente da loja.
- Sim...
Eram um pouco mais que 07:00 da manhã e fazia um friozinho gostoso, daqueles que deixam o nariz geladinho. Flaviana segurou a caixa com cuidado e sentiu aquela queimação no estômago que lhe era muito familiar. A medida que se aproximava do destino mais sentia doer. Mas isso não fazia com que ela desistisse. Estava determinada a conquistar aquele homem, custasse o que custasse. Foi lembrando do dia que se conheceram. Ele tinha sido tão sorridente, tão doce com ela! Como esquecer algo assim?
Chegou. Na portaria, o olhar do porteiro já era de intimidade.
- Bom dia, moça... Ele ainda não chegou. Sente ali, por favor.
- Obrigada...
O olhar do porteiro dizia muito, mas Flaviana não queria ver. Foi resignada para o sofá marrom claro, já íntimo dela, fazer o que vinha fazendo há mais de um mês: esperar Cassiano. Até o nome dos dois combinava: Flaviana e Cassiano! Ali ela deu uma última espiada na caixa pra ver se no trajeto alguma coisa não havia saído do lugar. Antes que ela pudesse fazer algo mais ouviu a voz do porteiro como que num alerta
-Bom dia, seu Cassiano!
O coração de Flaviana pulou desritmado. O que ela diria? Sabia que estava sendo insistente, até inconveniente, às vezes: mas onde ficava aquela vontade incontrolável de vê-lo? Como esquecer aqueles beijos, abraços, aquela pegada gostosa que ele tinha? Era preciso arriscar tudo.
Ela se levantou e já viu Cassiano, olhando pra ela sem surpresa nenhuma.
- Bom dia, Flaviana... Tudo bem?
Flaviana percebia o tom formal e quase seco na voz de Cassiano, mas acreditava piamente que era possível reverter a situação. Ele havia olhado pra ela um dia com vontade, com interesse e com desejo: isso tudo não podia ter sumido assim, sem mais nem menos. Ela sentia dentro de si que se ele visse toda sua dedicação, todo seu empenho em conquistá-lo, todo o amor que ela demonstrava a cada gesto, a cada presente, a cada momento que estava ali à disposição dele de repente tudo que viveram podia ser reacendido, revivido. Não é de esperanças e sonhos que vivem as mulheres?
- Bom dia... Hey! Trouxe isso pra você. Café da manhã...
- Não precisava, Cassiana. Mesmo.
- Imagina... Tem tanta coisa gostosa! Você vai gostar.
Flaviana estendeu a caixa de forma que não havia outro remédio além de Cassiano pegar. Desconfortável, porém paciente, ele segurou a caixa.
- Obrigado.
- Espero que goste.
-Claro. Vou gostar sim.
Um silêncio incômodo fez com que os dois ficassem sem jeito. A esperança de Flaviana era tanta que ela sempre aguardava que ele pudesse recompensá-la com um beijo, um abraço, uma carícia no rosto que fosse, mas ele se limitou a ficar em silêncio esperando que ela tomasse a iniciativa de ir embora.
-Bom...vou trabalhar. Espero que esteja tudo bem.
-Ok. Novamente obrigada pelo café da manhã. Não precisava.
- Tá... Até mais.
- Até... bom dia pra você.
Flaviana cumprimentou o porteiro com um sorriso triste. O porteiro, penalizado, sorriu sem jeito. Tinha pena daquela moça que vinha quase todos os dias mendigar o amor de um cara que não dava a mínima pra ninguém. Cansou de ver Cassiano com várias mulheres e não se apegar a nenhuma. Ele ria, ele se divertia à vontade sem nunca dar a menor importância a ninguém, não do jeito que Flaviana queria, pelo menos. Teve pena sincera dela.
A frustração de Flaviana era diária, fosse pelas mensagens respondidas com atraso, fosse pelos constantes adiamentos a convites feitos, fosse pela frieza com que Cassiano a tratava desde a última vez que estiveram juntos. E mesmo assim, sendo rechaçada, vendo a distância como que aquele homem a tratava diariamente, com aquela frieza peculiar de quem nada pode oferecer porque não quer realmente fazer isso, Flaviana não desistia. Amigos já haviam aconselhado exaustivamente; os colegas de trabalho já estavam de saco cheio de ouvir suas histórias. O olhar triste, a expressão abatida e a respiração débil não tiravam de Flaviana a expectativa de que de repente as coisas pudessem mudar pra melhor. No jogo da conquista tudo era válido e alguns dias eram piores que outros. Caminhou ofegante para pegar o metrô, pois já estava atrasada.
Cassiano subiu para seu andar no elevador, com a caixa, meio contrariado. Não tinha coragem pra dizer nada pra ela, mas não queria mais aquilo. Estava ficando irritado com a marcação cerrada, com as visitas sem avisar, com a presença compulsória de Flaviana em sua vida. Ele a conheceu em uma feira de livros e gostou do jeitinho dela. Era simpática e bonita, além de conhecer literatura muito bem. Gostou muito do que tiveram, mas achou que ela tinha entendido que era uma coisa casual pra ele. Infelizmente pra homens e mulheres a leitura do mundo é bem diferente. No momento que entrou no escritório o riso foi geral.
- Mais um presente, Cassiano?
Todos estavam se acostumando com as investidas de Flaviana. Era chacota do grupo de trabalho já.
Cassiano ficou mais irritado ainda. Deixou a caixa na cozinha e foi trabalhar no computador, sem dizer uma palavra. Os olhos chispando já diziam tudo.
- Assim vai acabar, casando com ela, hein?
Como as pessoas conseguem ser cruéis quando querem! Mas havia um fator preocupante naquela reação dos colegas de trabalho: a coisa tinha ganhado uma dimensão notória ali. Flaviana tinha conseguido fazer-se presente mesmo sem querer. Todos já sabia como atingir Cassiano; bastava lembrar da perseguição incessante da moça que a piada estava pronta. Aquilo o irritou ainda mais.
Cassiano bloqueou todos os acessos que Flaviana pudesse ter a ele. Bloqueou telefone, redes sociais e deu ordem expressa ao porteiro do trabalho pra dizer que ele não trabalhava mais lá. Para sua sorte ela não sabia onde ele morava; ele nunca levava nenhuma mulher pra sua casa. Era tudo ou nada: ou ela entendia de vez o que ele estava tentando dizer ou não saberia mais o que fazer. Deu o assunto por encerrado a partir dali.
Dias se passaram sem que nada de novo acontecesse. Tudo parecia resolvido agora; nenhuma notícia de Flaviana. Ela, do outro lado da situação, agonizava. Não podendo mais ligar ou mandar mensagem nenhuma ficou em pânico. Uma mistura de sentimentos tomou conta de sua vida: tristeza, raiva, mágoa e dor. Muita dor. Ficou sem saber o que fazer por uns dias mas a raiva é a pior das conselheiras que uma mulher pode ter e ela acabou optando pela decisão mais drástica: procurar Cassiano pra ouvir dele o que tinha a dizer. Resolveu esperar no prédio onde ele dizia não trabalhar mais pra ver se aquilo era verdade. Tirou o dia de folga pra poder ter tempo de ficar ali, na surdina. Escondida, esperou o horário que ele entraria no escritório e nem foi surpresa quando o viu indo pra portaria do prédio. De um salto, Flaviana saiu correndo, sem raciocinar nada, sem pensar no papelão que estava fazendo. Agora pouco importava.
- Cassiano! Disse ofegante, arfando, com lágrimas escorrendo em seu rosto.
A reação de Cassiano inicialmente foi de dizer alguma coisa, mas estava furioso demais pra ser educado com ela. Até então ele havia sido polido em seus gestos, pois entendia que de repente tudo era um erro de entendimento. Mas ali viu uma mulher completamente desequilibrada e sem limites tentando forçar uma situação que ele não queria levar adiante. Olhou na direção de Flaviana e foi até ela. Era preciso acabar logo com aquilo.
- O que você quer, hein? O que é que você quer???
Cassiano estava falando tão alto que o porteiro parou o que estava fazendo pra observar a cena. Pra desgraça completa dos dois nesse dia a portaria estava cheia de gente. a faxineira, que limpava o saguão do prédio, também parou o que estava fazendo.
- Fala logo o que você quer! Eu não aguento mais ver você aqui!
O rosto de Flaviana estava lavado de lágrimas e ela não conseguia dizer uma única palavra. Tremia de cima a baixo. Isso não comoveu Cassiano, que desabou.
- Eu te bloqueei, eu evitei você... O que você quer que eu diga mais? Você vai ficar vindo até aqui??? Vai continuar a trazer coisas pra mim??? Para de se humilhar! Eu não quero você!
Todos olharam para os dois, cada um com uma impressão, um sentimento diferente. Muitos achavam que ela merecia aquilo, outros tiveram muita pena da moça. A faxineira falou pra um dos funcionários do prédio.
- Bem feito! Quem mandou correr atrás de homem?
Flaviana abaixou a cabeça e sem olhar pra trás saiu, sem dizer nada. O silêncio era cortante. Cassiano ficou olhando ela sair até que ela sumisse, virando a rua. Todos olharam pra ele ao entrar no prédio sem dizer palavra. O porteiro estava de olhos baixos, numa tristeza de pai por aquela moça. De repente lembrou-se de uma menina que havia namorado, na adolescência. Ele a havia deixado também. Sentiu uma tristeza enorme em seu coração.
Cassiano subiu e foi direto pro banheiro, lavar seu rosto. Estava afogueado e com raiva. Lavou a cara e foi direto pra sua mesa sem falar com ninguém. O dia já estava estragado.
E assim passaram vários dias. Cassiano seguiu sua vida com uma novidade aqui e ali, com sua rotina sendo alterada apenas por aquilo que lhe conviesse. Sem nenhum acontecimento inesperado. Mas de repente foi tomado por um sentimento que é o pior dos algozes: o remorso. Nunca mais tinha ouvido falar de Flaviana, nem mesmo por pessoas próximas dela que ele conhecia. Não a viu mais, não tinha nada que pudesse lhe recordar, nem mesmo a caixa de café, que ele deu pra um colega de trabalho levar embora.
Sentiu um aperto horrível na consciência. Não queria que ela voltasse a procurá-lo, mas a presença da sua ausência o incomodava de forma terrível. Um dia, ao entrar no prédio, lembrou-se dela no sofá, esperando por ele. Sentiu-se péssimo.
Mesmo quando resolvia de forma sutil falar dela ninguém avançava no assunto. Não falavam dela com ele. Não a viu mais em nenhum evento, nenhum lugar onde ela poderia estar. Um dia, por curiosidade, ligou para o trabalho dela e perguntou se ela estava ali. Não; havia pedido transferência e eles não estavam autorizados a dizer pra onde.
Um sentimento de inquietude começou a tomar conta de Cassiano. O que ele havia feito? Ele não sabia ao certo o que sentia, mas era doloroso. Ele não sabia o que fazer.
- Vou levar eu mesma!
-Tem certeza? Perguntou a atendente da loja.
- Sim...
Eram um pouco mais que 07:00 da manhã e fazia um friozinho gostoso, daqueles que deixam o nariz geladinho. Flaviana segurou a caixa com cuidado e sentiu aquela queimação no estômago que lhe era muito familiar. A medida que se aproximava do destino mais sentia doer. Mas isso não fazia com que ela desistisse. Estava determinada a conquistar aquele homem, custasse o que custasse. Foi lembrando do dia que se conheceram. Ele tinha sido tão sorridente, tão doce com ela! Como esquecer algo assim?
Chegou. Na portaria, o olhar do porteiro já era de intimidade.
- Bom dia, moça... Ele ainda não chegou. Sente ali, por favor.
- Obrigada...
O olhar do porteiro dizia muito, mas Flaviana não queria ver. Foi resignada para o sofá marrom claro, já íntimo dela, fazer o que vinha fazendo há mais de um mês: esperar Cassiano. Até o nome dos dois combinava: Flaviana e Cassiano! Ali ela deu uma última espiada na caixa pra ver se no trajeto alguma coisa não havia saído do lugar. Antes que ela pudesse fazer algo mais ouviu a voz do porteiro como que num alerta
-Bom dia, seu Cassiano!
O coração de Flaviana pulou desritmado. O que ela diria? Sabia que estava sendo insistente, até inconveniente, às vezes: mas onde ficava aquela vontade incontrolável de vê-lo? Como esquecer aqueles beijos, abraços, aquela pegada gostosa que ele tinha? Era preciso arriscar tudo.
Ela se levantou e já viu Cassiano, olhando pra ela sem surpresa nenhuma.
- Bom dia, Flaviana... Tudo bem?
Flaviana percebia o tom formal e quase seco na voz de Cassiano, mas acreditava piamente que era possível reverter a situação. Ele havia olhado pra ela um dia com vontade, com interesse e com desejo: isso tudo não podia ter sumido assim, sem mais nem menos. Ela sentia dentro de si que se ele visse toda sua dedicação, todo seu empenho em conquistá-lo, todo o amor que ela demonstrava a cada gesto, a cada presente, a cada momento que estava ali à disposição dele de repente tudo que viveram podia ser reacendido, revivido. Não é de esperanças e sonhos que vivem as mulheres?
- Bom dia... Hey! Trouxe isso pra você. Café da manhã...
- Não precisava, Cassiana. Mesmo.
- Imagina... Tem tanta coisa gostosa! Você vai gostar.
Flaviana estendeu a caixa de forma que não havia outro remédio além de Cassiano pegar. Desconfortável, porém paciente, ele segurou a caixa.
- Obrigado.
- Espero que goste.
-Claro. Vou gostar sim.
Um silêncio incômodo fez com que os dois ficassem sem jeito. A esperança de Flaviana era tanta que ela sempre aguardava que ele pudesse recompensá-la com um beijo, um abraço, uma carícia no rosto que fosse, mas ele se limitou a ficar em silêncio esperando que ela tomasse a iniciativa de ir embora.
-Bom...vou trabalhar. Espero que esteja tudo bem.
-Ok. Novamente obrigada pelo café da manhã. Não precisava.
- Tá... Até mais.
- Até... bom dia pra você.
Flaviana cumprimentou o porteiro com um sorriso triste. O porteiro, penalizado, sorriu sem jeito. Tinha pena daquela moça que vinha quase todos os dias mendigar o amor de um cara que não dava a mínima pra ninguém. Cansou de ver Cassiano com várias mulheres e não se apegar a nenhuma. Ele ria, ele se divertia à vontade sem nunca dar a menor importância a ninguém, não do jeito que Flaviana queria, pelo menos. Teve pena sincera dela.
A frustração de Flaviana era diária, fosse pelas mensagens respondidas com atraso, fosse pelos constantes adiamentos a convites feitos, fosse pela frieza com que Cassiano a tratava desde a última vez que estiveram juntos. E mesmo assim, sendo rechaçada, vendo a distância como que aquele homem a tratava diariamente, com aquela frieza peculiar de quem nada pode oferecer porque não quer realmente fazer isso, Flaviana não desistia. Amigos já haviam aconselhado exaustivamente; os colegas de trabalho já estavam de saco cheio de ouvir suas histórias. O olhar triste, a expressão abatida e a respiração débil não tiravam de Flaviana a expectativa de que de repente as coisas pudessem mudar pra melhor. No jogo da conquista tudo era válido e alguns dias eram piores que outros. Caminhou ofegante para pegar o metrô, pois já estava atrasada.
Cassiano subiu para seu andar no elevador, com a caixa, meio contrariado. Não tinha coragem pra dizer nada pra ela, mas não queria mais aquilo. Estava ficando irritado com a marcação cerrada, com as visitas sem avisar, com a presença compulsória de Flaviana em sua vida. Ele a conheceu em uma feira de livros e gostou do jeitinho dela. Era simpática e bonita, além de conhecer literatura muito bem. Gostou muito do que tiveram, mas achou que ela tinha entendido que era uma coisa casual pra ele. Infelizmente pra homens e mulheres a leitura do mundo é bem diferente. No momento que entrou no escritório o riso foi geral.
- Mais um presente, Cassiano?
Todos estavam se acostumando com as investidas de Flaviana. Era chacota do grupo de trabalho já.
Cassiano ficou mais irritado ainda. Deixou a caixa na cozinha e foi trabalhar no computador, sem dizer uma palavra. Os olhos chispando já diziam tudo.
- Assim vai acabar, casando com ela, hein?
Como as pessoas conseguem ser cruéis quando querem! Mas havia um fator preocupante naquela reação dos colegas de trabalho: a coisa tinha ganhado uma dimensão notória ali. Flaviana tinha conseguido fazer-se presente mesmo sem querer. Todos já sabia como atingir Cassiano; bastava lembrar da perseguição incessante da moça que a piada estava pronta. Aquilo o irritou ainda mais.
Cassiano bloqueou todos os acessos que Flaviana pudesse ter a ele. Bloqueou telefone, redes sociais e deu ordem expressa ao porteiro do trabalho pra dizer que ele não trabalhava mais lá. Para sua sorte ela não sabia onde ele morava; ele nunca levava nenhuma mulher pra sua casa. Era tudo ou nada: ou ela entendia de vez o que ele estava tentando dizer ou não saberia mais o que fazer. Deu o assunto por encerrado a partir dali.
Dias se passaram sem que nada de novo acontecesse. Tudo parecia resolvido agora; nenhuma notícia de Flaviana. Ela, do outro lado da situação, agonizava. Não podendo mais ligar ou mandar mensagem nenhuma ficou em pânico. Uma mistura de sentimentos tomou conta de sua vida: tristeza, raiva, mágoa e dor. Muita dor. Ficou sem saber o que fazer por uns dias mas a raiva é a pior das conselheiras que uma mulher pode ter e ela acabou optando pela decisão mais drástica: procurar Cassiano pra ouvir dele o que tinha a dizer. Resolveu esperar no prédio onde ele dizia não trabalhar mais pra ver se aquilo era verdade. Tirou o dia de folga pra poder ter tempo de ficar ali, na surdina. Escondida, esperou o horário que ele entraria no escritório e nem foi surpresa quando o viu indo pra portaria do prédio. De um salto, Flaviana saiu correndo, sem raciocinar nada, sem pensar no papelão que estava fazendo. Agora pouco importava.
- Cassiano! Disse ofegante, arfando, com lágrimas escorrendo em seu rosto.
A reação de Cassiano inicialmente foi de dizer alguma coisa, mas estava furioso demais pra ser educado com ela. Até então ele havia sido polido em seus gestos, pois entendia que de repente tudo era um erro de entendimento. Mas ali viu uma mulher completamente desequilibrada e sem limites tentando forçar uma situação que ele não queria levar adiante. Olhou na direção de Flaviana e foi até ela. Era preciso acabar logo com aquilo.
- O que você quer, hein? O que é que você quer???
Cassiano estava falando tão alto que o porteiro parou o que estava fazendo pra observar a cena. Pra desgraça completa dos dois nesse dia a portaria estava cheia de gente. a faxineira, que limpava o saguão do prédio, também parou o que estava fazendo.
- Fala logo o que você quer! Eu não aguento mais ver você aqui!
O rosto de Flaviana estava lavado de lágrimas e ela não conseguia dizer uma única palavra. Tremia de cima a baixo. Isso não comoveu Cassiano, que desabou.
- Eu te bloqueei, eu evitei você... O que você quer que eu diga mais? Você vai ficar vindo até aqui??? Vai continuar a trazer coisas pra mim??? Para de se humilhar! Eu não quero você!
Todos olharam para os dois, cada um com uma impressão, um sentimento diferente. Muitos achavam que ela merecia aquilo, outros tiveram muita pena da moça. A faxineira falou pra um dos funcionários do prédio.
- Bem feito! Quem mandou correr atrás de homem?
Flaviana abaixou a cabeça e sem olhar pra trás saiu, sem dizer nada. O silêncio era cortante. Cassiano ficou olhando ela sair até que ela sumisse, virando a rua. Todos olharam pra ele ao entrar no prédio sem dizer palavra. O porteiro estava de olhos baixos, numa tristeza de pai por aquela moça. De repente lembrou-se de uma menina que havia namorado, na adolescência. Ele a havia deixado também. Sentiu uma tristeza enorme em seu coração.
Cassiano subiu e foi direto pro banheiro, lavar seu rosto. Estava afogueado e com raiva. Lavou a cara e foi direto pra sua mesa sem falar com ninguém. O dia já estava estragado.
E assim passaram vários dias. Cassiano seguiu sua vida com uma novidade aqui e ali, com sua rotina sendo alterada apenas por aquilo que lhe conviesse. Sem nenhum acontecimento inesperado. Mas de repente foi tomado por um sentimento que é o pior dos algozes: o remorso. Nunca mais tinha ouvido falar de Flaviana, nem mesmo por pessoas próximas dela que ele conhecia. Não a viu mais, não tinha nada que pudesse lhe recordar, nem mesmo a caixa de café, que ele deu pra um colega de trabalho levar embora.
Sentiu um aperto horrível na consciência. Não queria que ela voltasse a procurá-lo, mas a presença da sua ausência o incomodava de forma terrível. Um dia, ao entrar no prédio, lembrou-se dela no sofá, esperando por ele. Sentiu-se péssimo.
Mesmo quando resolvia de forma sutil falar dela ninguém avançava no assunto. Não falavam dela com ele. Não a viu mais em nenhum evento, nenhum lugar onde ela poderia estar. Um dia, por curiosidade, ligou para o trabalho dela e perguntou se ela estava ali. Não; havia pedido transferência e eles não estavam autorizados a dizer pra onde.
Um sentimento de inquietude começou a tomar conta de Cassiano. O que ele havia feito? Ele não sabia ao certo o que sentia, mas era doloroso. Ele não sabia o que fazer.
Onde estaria Flaviana?
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