Caminhante
A cafeteria estava relativamente cheia naquela manhã cinzenta. Fazia um friozinho suportável e todos estavam ávidos por uma bebida quente, não só para aquecer o corpo, mas os corações. Não era diferente com Regina.
Ela era pessoa conhecida ali. Há anos frequentava assiduamente o espaço, sendo parte da própria história do lugar. Entrou sem cerimônia e sentou-se em uma das mesas. Ficou olhando vagamente pela janela a neblina suave que enchia a rua.
- O que vai ser hoje, Dona Regina?
- Deixa disso menina...É Regina, já falei.
A atendente sorriu sem responder.
- Me traga um café puro, sem açúcar. O de sempre.
- Ok. Algo pra comer?
- Não, não. Obrigada.
A moça foi ao balcão confirmar o pedido enquanto Regina voltou a contemplar o tempo pela janela.
Olhou suas mãos e suas unhas, sempre mal cuidadas. Viu os sinais do tempo lhe lembrando do tanto que já tinha passado por ali. Sorriu amargamente com o canto da boca. O cheiro do café misturado ao cheiro doce das guloseimas era muito agradável. E lá vinha a atendente com seu cafezinho habitual.
- Café puro. Hoje temos promoção de croissant... Não quer experimentar?
- Não, filha. Hoje não. Obrigada.
Regina sorveu o café devagar enquanto olhava o frenesi de pessoas entrando na cafeteria. Jovens e idosos, pessoas elegantes e outras nem tanto. O inverno fazia com que as pessoas se preocupassem com as roupas. Mas esse nem era o caso dela: pôs um casaco marrom por cima da blusa de frio e pronto. O portante é que estava vestida e aquecida.
Lembrou-se da mãe. Desde pequena Regina era desleixada e pouco atenta com sua aparência e por conta disso sempre levava broncas. "Moça mal arrumada homem nem olha", ela dizia. Com muito esforço conseguiu que a filha tivesse um pouco mais de capricho quando ficou mais crescida.
Regina olhou para dentro da xícara, quase vazia. O gosto amargo do café era latente em sua boca. Amargura. Tantos momentos triste e sozinhos na vida! Como ela pode suportar? Mas suportou. Talvez fosse aquele clima modorrento e deprimido de dia frio que estivesse mexendo tão fortemente com suas emoções.
Uma criança passou por ela correndo. Filhos. Regina nunca os quis. Na única vez que engravidou optou pelo aborto. Nunca havia contado isso pra ninguém, nem mesmo para seu ex-marido. Ex- marido. Como foi difícil viver ao lado dele! No começo era tudo tão bom, mas depois foi um calvário. Pois como haveria de dar certo? Uma menina casada com um homem feito. Regina casou-se aos 18 anos, influenciada pela vontade da mãe. Foi um erro, pensou.
Pegou uma revista de informação que estava num canto da mesa. Folheou sem interesse e viu uma reportagem sobre redesignação de Plutão na categoria de planeta. "Que merda!" - pensou. Ela era astrônoma. Sim, tinha tido coragem de deixar o marido mesmo sabendo que sua família não a apoiaria. Arrumou um trabalho em uma loja de livros e prestou vestibular para Física. Gostava de números e fórmulas e adorava as estrelas, planetas e supernovas. Apesar de ser uma das poucas mulheres do curso, conseguiu formar-se e fazer o Bacharelado em Astronomia. Foi bem menos difícil do que ela havia imaginado: pagava suas contas, ia nas festas, beijava os rapazes e voltava pra casa. Melhor que casamento.
- Traz outro café. Por favor.
A atendente trouxe nova xícara de café quentinho. A fumacinha aromática continuou a abrir o portal de lembranças de Regina.
Os amores mal sucedidos! Ah! Era pior que qualquer doença! A cada partida, a cada vez que seu coração partia-se em mil pedaços... Ela se recompunha. De forma irreversível e cheia de sequelas, mas ia em frente. Até que cansou de buscar o amor. Refugiou-se na solidão, o sentimento que mais conhecia.
Lá fora o sol ia devagar ganhando espaço no céu. Era quase a hora do almoço. A atendente passou por ela novamente e sorriu.
-Mais alguma coisa?
-Acho que vou aceitar o croissant que você me ofereceu.
-Tem doce e salgado... Qual você prefere?
-Hum...
Regina achou que talvez algo doce lhe fizesse bem.
- Pode ser o doce.
-Tem de maçã, banana e doce de leite. Que tal?
- Pode ser de maçã. Obrigada.
Um pouco depois lá vinha a moça com o prato. O croissant tinha um aspecto bonito e estava coberto com uma nuvem de açúcar com canela.
- Obrigada, filha.
- Espero que goste.
Era fato que estava muito gostoso. Regina comeu o croissant sem pressa e depois resolveu ir embora. Já estava ali há um bom tempo. Pagou a conta, despediu-se de todos e saiu.
Caminhou a passos vagarosos pelas ruas ao voltar pra casa. Não sentia vontade de cozinhar e deu-se por satisfeita com o croissant. Olhou o mundo ao seu redor e viu a vida seguindo seu curso pra todo mundo. Ela era uma sobrevivente como a maioria ali. Seguiu em frente, mais uma vez.
Ela era pessoa conhecida ali. Há anos frequentava assiduamente o espaço, sendo parte da própria história do lugar. Entrou sem cerimônia e sentou-se em uma das mesas. Ficou olhando vagamente pela janela a neblina suave que enchia a rua.
- O que vai ser hoje, Dona Regina?
- Deixa disso menina...É Regina, já falei.
A atendente sorriu sem responder.
- Me traga um café puro, sem açúcar. O de sempre.
- Ok. Algo pra comer?
- Não, não. Obrigada.
A moça foi ao balcão confirmar o pedido enquanto Regina voltou a contemplar o tempo pela janela.
Olhou suas mãos e suas unhas, sempre mal cuidadas. Viu os sinais do tempo lhe lembrando do tanto que já tinha passado por ali. Sorriu amargamente com o canto da boca. O cheiro do café misturado ao cheiro doce das guloseimas era muito agradável. E lá vinha a atendente com seu cafezinho habitual.
- Café puro. Hoje temos promoção de croissant... Não quer experimentar?
- Não, filha. Hoje não. Obrigada.
Regina sorveu o café devagar enquanto olhava o frenesi de pessoas entrando na cafeteria. Jovens e idosos, pessoas elegantes e outras nem tanto. O inverno fazia com que as pessoas se preocupassem com as roupas. Mas esse nem era o caso dela: pôs um casaco marrom por cima da blusa de frio e pronto. O portante é que estava vestida e aquecida.
Lembrou-se da mãe. Desde pequena Regina era desleixada e pouco atenta com sua aparência e por conta disso sempre levava broncas. "Moça mal arrumada homem nem olha", ela dizia. Com muito esforço conseguiu que a filha tivesse um pouco mais de capricho quando ficou mais crescida.
Regina olhou para dentro da xícara, quase vazia. O gosto amargo do café era latente em sua boca. Amargura. Tantos momentos triste e sozinhos na vida! Como ela pode suportar? Mas suportou. Talvez fosse aquele clima modorrento e deprimido de dia frio que estivesse mexendo tão fortemente com suas emoções.
Uma criança passou por ela correndo. Filhos. Regina nunca os quis. Na única vez que engravidou optou pelo aborto. Nunca havia contado isso pra ninguém, nem mesmo para seu ex-marido. Ex- marido. Como foi difícil viver ao lado dele! No começo era tudo tão bom, mas depois foi um calvário. Pois como haveria de dar certo? Uma menina casada com um homem feito. Regina casou-se aos 18 anos, influenciada pela vontade da mãe. Foi um erro, pensou.
Pegou uma revista de informação que estava num canto da mesa. Folheou sem interesse e viu uma reportagem sobre redesignação de Plutão na categoria de planeta. "Que merda!" - pensou. Ela era astrônoma. Sim, tinha tido coragem de deixar o marido mesmo sabendo que sua família não a apoiaria. Arrumou um trabalho em uma loja de livros e prestou vestibular para Física. Gostava de números e fórmulas e adorava as estrelas, planetas e supernovas. Apesar de ser uma das poucas mulheres do curso, conseguiu formar-se e fazer o Bacharelado em Astronomia. Foi bem menos difícil do que ela havia imaginado: pagava suas contas, ia nas festas, beijava os rapazes e voltava pra casa. Melhor que casamento.
- Traz outro café. Por favor.
A atendente trouxe nova xícara de café quentinho. A fumacinha aromática continuou a abrir o portal de lembranças de Regina.
Os amores mal sucedidos! Ah! Era pior que qualquer doença! A cada partida, a cada vez que seu coração partia-se em mil pedaços... Ela se recompunha. De forma irreversível e cheia de sequelas, mas ia em frente. Até que cansou de buscar o amor. Refugiou-se na solidão, o sentimento que mais conhecia.
Lá fora o sol ia devagar ganhando espaço no céu. Era quase a hora do almoço. A atendente passou por ela novamente e sorriu.
-Mais alguma coisa?
-Acho que vou aceitar o croissant que você me ofereceu.
-Tem doce e salgado... Qual você prefere?
-Hum...
Regina achou que talvez algo doce lhe fizesse bem.
- Pode ser o doce.
-Tem de maçã, banana e doce de leite. Que tal?
- Pode ser de maçã. Obrigada.
Um pouco depois lá vinha a moça com o prato. O croissant tinha um aspecto bonito e estava coberto com uma nuvem de açúcar com canela.
- Obrigada, filha.
- Espero que goste.
Era fato que estava muito gostoso. Regina comeu o croissant sem pressa e depois resolveu ir embora. Já estava ali há um bom tempo. Pagou a conta, despediu-se de todos e saiu.
Caminhou a passos vagarosos pelas ruas ao voltar pra casa. Não sentia vontade de cozinhar e deu-se por satisfeita com o croissant. Olhou o mundo ao seu redor e viu a vida seguindo seu curso pra todo mundo. Ela era uma sobrevivente como a maioria ali. Seguiu em frente, mais uma vez.
Muito bem escrito. Me identifiquei com a protagonista e seus pensamento. ����
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